Por Sérgio Gadini
O sistema de transporte urbano da capital húngara, diferente da maioria das grandes cidades europeias, registra uma particularidade em seu funcionamento: por ser aberto, conta com uma fiscal com práticas próprias e por vezes aleatórias, para não dizer pouca normatização. O detalhe, que faz toda diferença, é que a fiscalização – ao menos nas diversas situações observadas no Inverno de 2023 – apresenta características muito particulares.
A capital da Hungria possui cerca de 1,8 milhão de habitantes e é uma das cidades mais visitadas da Europa. O País registra 10 milhões e a região metropolitana da Capital possui 3,3 milhões de pessoas. Budapeste não é uma cidade cara, se comparada com as principais capitais europeias, mas os indicadores de pobreza estão mais visíveis nas ruas, praças e fundos das estações de metrô, onde muitas pessoas buscam abrigo para passar as noites frias do temido inverno do Leste.
O turismo em Budapeste é forte com razões históricas, geográficas, arquitetônicas e gastronômicas da cultura húngara. Tem muita atração para conhecer a vida e a história secular do povo, em geral a preços relativamente acessíveis no contexto econômico da Europa. Vale lembrar que a Hungria integra a União Europeia, mas possui moeda própria, o florim húngaro (Hungarian Foint – HUF), o que complica um pouco, mas nada que preocupe, depois das primeiras conversões necessárias. Buda e Peste estão separadas pelo Rio Danúbio, o que identifica também algumas marcas históricas: morar em Buda, região de jardins e palácios, é bem mais caro do que na Peste, onde vive a grande maioria da população. Mas, na prática, é claro, a cidade é uma só, pois foi unificada em 1871 e integra a vida de cerca de milhões de moradores entre trabalho, moradia, educação, lazer e sobrevivência.
O metrô de Budapeste registra algumas similaridades com o da capital coirmã (dos tempos imperiais) Viena: segue a lógica de pagar por um sentido único (sem volta), com variação no custo do ticket de acordo com o uso, quem transporta animal doméstico também precisa pagar meia passagem e é preciso validar o ticket adquirido antes de entrar em uma das quatro linhas do sistema, geralmente subterrâneo. Equivale dizer que a passagem simples não permite integrar modais (bonde, metrô e ônibus) e o tempo de validade é de apenas um acesso. Se quiser fazer baldeação, é preciso comprar outra passagem. O serviço também opera com ticket por tempo indeterminado (24, 48 ou 72h), que possibilita circular no sistema, não sem mostrar o ticket aos fiscais, que estão habitualmente nas saídas das estações de metrô.
O detalhe no hábito ‘profissional’ do fiscal de Budapeste é que não se trata de um ou dois profissionais, mas são muitos que circulam pelas estações e inclusive nas proximidades, fora dos pontos, acessos e saídas nos serviços de transporte coletivo. Nas estações de maior movimentação de migrantes, os fiscais se tornam o terror dos transeuntes, pois quando suspeitam de qualquer migrante ousam pedir o ticket várias vezes sem qualquer necessidade.
E, por fim, uma última constatação do fiscal de Budapeste é a prática da vigilância: ao pedir o ticket para conferir na entrada do ônibus (E100) rumo ao aeroporto, o fiscal carimba e rasga o canto do bilhete, como nos velhos tempos de conferência manual, tudo sob a observação do colega de profissão, que se comporta mais como policial do que monitor e fiscal de um serviço público. Mas, é claro, a prática pode ser mera casualidade em uma manhã de inverno, em que os fiscais parecem ter pouco trabalho e, pois, identificam facilmente migrantes ou turistas, que poderiam ser multados pelo sistema de transporte da capital húngara.
Ao visitar a cidade, portanto, não circule com descuido, pois os incontáveis fiscais são quase onipresentes no metrô (ônibus e bonde) em Budapeste e, ao que tudo indica, buscam trabalho para justificar o ofício profissional. O alerta é pertinente, pois uma rápida consulta na web revela que diversos turistas enfrentaram cobranças desnecessárias e sem justificativa por parte de fiscais, que por vezes multam e sequer entregam comprovante da suposta penality (em euro, a depender da situação), uma das poucas palavras em inglês, que alguns deles conseguem pronunciar com insistência em qualquer abordagem cotidiana.
E, claro, não se esqueça: a Hungria é, em 2023, um país controlado por um governo de extrema-direita, sustentado por campanhas contra migrantes e ataque aos LGBTQIA+, inclusive com legislação própria, recentemente aprovada pela maioria governista no parlamento. É assim que o atual gestor e partido são conhecidos pelo restante da Europa. E, pois, cuide-se, que pode não ser brincadeira! Vale, inclusive, atentar-se ao modo despojado que muitos turistas costumam aderir em tempos de férias, pois pode ser entendido de outra forma pelas polícias locais (uniformizadas ou não).
E o que isso tem a ver com o fiscal de Budapeste? Quase tudo, pois em regimes ditatoriais, diz a lenda que todo servidor público alinhado ao governismo de plantão se sente tão poderoso quanto os agentes da repressão. E, ainda que se trate de uma breve suspeita ou hipótese observada por poucos dias, ao que tudo indica, a política de ataque aos migrantes e pobres (o que pode incluir turistas com aparência de mochileiro) desperta atenção por hábitos cotidianos em diversas práticas profissionais, como sugerem guias turísticos que não respondem qualquer pergunta sobre o atual cenário político na Hungria.
Não se pode, pois, ousar suspeitar que os serviços de fiscalização de transporte estariam livres de pensamentos dominantes na vida política do País. Melhor não arriscar, por precaução, como nas eventuais situações em que se se conhece um regime ditatorial como visitante. Conheça, curta, não duvide, evite insistir em detalhes e volte na paz e com saúde. Budapeste é uma cidade que vale a visita, sempre, ainda que seja preciso ficar ligado, o tempo todo, para evitar stress. No metrô, ou na tranvia, evite discutir com fiscais, pois eles parecem mais ‘poderosos’ que em países democráticos.
Sérgio Gadini, trabalhador do serviço público, que consegue viajar apenas nas férias anuais de 30 dias, às próprias custas e com planos que envolvem gestão financeira de longas (nem sempre suaves) prestações. E-mail: slgadini@uepg.br