Por Iolanda Lima e Joyce Clara
Por Iolanda Lima e Joyce Clara
Flow (2024) apresenta uma odisseia de um gato, uma capivara, uma ave, um lêmure e um cachorro numa inundação repentina. O grupo, com diferenças que vão além da espécie, deve aprender a se relacionar para conseguir sobreviver à catástrofe. Lançado em maio de 2024, o longa não precisa de nenhum diálogo para transmitir ideias e mensagens de amizade e cooperação. O filme concorre ao Oscar nas categorias de Melhor Filme de Animação e Melhor Filme Internacional.
Dirigido por Gints Zilbalodis, e co-escrito por Matīss Kaža, o longa de 1h15 de duração foi produzido na Letônia, Bélgica e França. Em entrevista para o site francês 3DVF, o diretor observa que a narrativa do filme é inspirada em situações e problemas que ele enfrenta em sua vida, como a dificuldade de trabalhar em grupo. Dessa forma, apesar dos cinco animais, o filme tem um foco maior no gato, que deve deixar de lado sua vida solitária e aprender a conviver com outros.
O filme se utiliza de diversas técnicas para suprir a falta de diálogo, mas ainda assim representar as emoções passadas pelos animais. Cada ser tem características próprias, tanto de personalidade, quanto aspectos de cada espécie diferente. Se colocadas ao lado de emoções humanas, pode-se dizer que a ave representa o orgulho, a capivara a amizade e benevolência, o lêmure a ganância, o cachorro a ingenuidade e o gato a independência. Esse combo nos leva às situações que ocorrem durante o filme, diante das relações entre os seres que afetam diretamente o futuro incerto, em meio à inundação. Dessa maneira, podemos acompanhar o surgimento de companheirismo e empatia em meio aos animais.
Além da trama, o que também chama a atenção em Flow é como e onde ele foi produzido. Com uma equipe reduzida e um orçamento apertado, apenas uma parte dos desenhistas trabalhou de forma presencial. O filme foi feito na plataforma Blender, aplicativo aberto e gratuito ao público. Atributo que se destaca em meio aos concorrentes, especialmente contra Divertida Mente 2, financiado pela multimilionária Disney.
É através da simplicidade e do talento que Flow conquista o público. O design gráfico representa todos os trejeitos felinos de forma refinada, a qualidade nas mudanças de expressão dispensam os diálogos e revelam os pensamentos dos animais. A história desperta sentimentos como: a dúvida do que aconteceu com a humanidade – uma vez que só aparecem resquícios de uma sociedade; a angústia de acompanhar os desafios dos animais; reflexões sobre perda, amizade, cooperação, superação e aceitação das diferenças. De certa forma, Flow se comunica com Robô Selvagem – outro indicado à categoria de melhor animação no Oscar, que também aposta na premissa do valor das singularidades e conceitos de amizade, a partir de animais como personagens.
Porém, os dois filmes tomam caminhos divergentes na maneira de representar isso. Enquanto Flow permanece sem falas, a animação da DreamsWorks mostra não só os animais conversando entre si de forma antropomorfizada, como também Roz (a robô) adaptando sua linguagem para também se comunicar com eles. Dessa forma, os sentimentos são colocados de forma mais explícita para o público, enquanto Flow desperta essas reflexões pelo imaginário, o que não significa que não alcance os mesmos resultados. A mensagem ainda é clara, mesmo que não entregue ao público de forma tão óbvia como o concorrente.
É um filme muito bem construído em design, narrativa e desenvolvimento de personagens. Existe um apego à sobrevivência do quinteto, sobretudo do gato, por evidenciar cada mudança interior que foi necessária para conseguir superar seus hábitos solitários, cooperar com espécies diferentes e, por consequência, conseguir passar pelas enchentes e sobreviver. Porém, o filme mostra que todos os outros animais possuíam angústias e dificuldades próprias e certos receios um com o outro, mas que também precisavam se desprender deles para um objetivo maior e comum.
O filme encerra com uma linda lição de vida, ao mostrar no reflexo da água um novo gato, capivara, lêmure e cachorro – a ave não permaneceu no grupo de forma física, mas foi fundamental para a trajetória externa e interna. Da história no filme para a história do filme, a mensagem é coragem, cooperação e superação, seja para enfrentar uma enchente ou para mostrar a força de uma produção independente apaixonada pela arte.
O fenômeno Flow na Letônia
A comoção do país com o primeiro filme local a chegar no Oscar rendeu uma estátua do gatinho em Riga, a capital, assim como ilustrações nas ruas. Além disso, órgãos oficiais do turismo tem auxiliado na divulgação e o Globo de Ouro, conquistado por Flow, está exposto no Museu Nacional de Arte da Letônia. O reconhecimento foi tanto, que profissionais da produção receberam honrarias do governo e prêmio em dinheiro.