Por Iolanda Lima
Por Iolanda Lima
O stop-motion Memórias de um caracol (2024), dirigido e roteirizado por Adam Elliot, concorre a Melhor Animação no Oscar deste ano. O longa de 1h34min conta a história de Grace Pudel, com um estilo parecido com Mary and Max (2009), e se destaca entre os concorrentes pela modelagem 3D peculiar. O filme, que se passa nos anos 1970, na Austrália, lida com assuntos delicados, como nudez, extremismo religioso e alcoolismo.
Grace Pudel vive uma vida trágica. Por sua mãe morrer no parto, ela passa boa parte da infância com seu irmão gêmeo Gilbert e seu pai Percy, um malabarista francês que ficou tetraplégico. A garota herda de sua mãe o fascínio por caracóis que, por um tempo, se limitava apenas a admiração. Com os infortúnios na vida de Grace, a obsessão pelo molusco só cresce. Quando seu pai morre, os irmãos são separados. Gilbert passa a morar com uma família fundamentalista religiosa e Grace com uma família tranquila, mas frequentadores de swings. A garota cresce com esperança de encontrar seu irmão. Grace acaba se envolvendo com Ken. No começo do relacionamento, o namorado aparentava uma luz de esperança na vida da garota, mas ela acaba descobrindo seu fetiche por gordura, adipofilia. O término do namoro, junto ao adoecimento de Pinky, sua única amiga, leva Grace a sucumbir em casulos.
A animação se passa com Grace contando sua vida para Sylvia, caracol fêmea a quem era mais apegada. A história pode ser comparada a uma odisseia trágica, com reflexões sobre medo, depressão e autoestima, que nos envolvem na melancolia de Grace. A obsessão por espirais não é uma novidade; Junji Ito e Hitchcock já tinham nos mostrado como o símbolo pode ter significado dentro da narrativa. Mas o filme vai além do ícone, e nos mostra também como vamos adotando vários casulos de proteção ao longo da vida, que no fim nos impedem de viver.
“Como eu disse, a vida só pode ser entendida de trás para frente, mas temos que vivê-la para frente” Pinky, Memórias de um caracol (2024)
O longa se destaca com os simbolismos diferentes ao longo da trama, como a maçã para representar a falsa divindade adorada pela família adotiva de Gilbert, ou o bege, como a cor da casa onde Grace passa a morar. O detalhismo da cidade, das casas e cenários nos leva para uma visão específica da Austrália feita de massinha. Em alguns momentos, o jogo de câmera perde a força, e se torna possível perceber o verdadeiro tamanho da produção. Contudo, a animação exagerada e cartunesca acaba por combinar com a trágica história da garota, que por vezes ganha um tom de comédia. Da mesma forma que Grace se via como um caracol, Gregor Samsa se via como um inseto monstruoso. Mas diferente da desesperança de Kafka, Addam Elliot finaliza com uma redenção à protagonista, indicando que, mesmo nos momentos em que nos sentimos aprisionados em ciclos de dor, sempre existe a chance de transformação.
O longa, antes da indicação, levou o Prêmio Cristal de Longa-Metragem no Festival Internacional de Cinema de Animação de Annecy. Apesar disso, Memórias de um caracol é um concorrente fraco na disputa pelo Oscar. Mesmo sendo uma obra emocionante que quebra padrões estéticos de animação, pode ser facilmente ofuscada por Flow e Robô selvagem.