Por Cultura Plural
Por Victor Schinato
Novo nos cinemas brasileiros, “Robô Selvagem” é uma longa-metragem de animação da Dreamworks Animation e Universal Pictures, empresas responsáveis por clássicos como “Shrek”, “Madagascar” e “Fuga das Galinhas”. Apesar de sucessos passados, ambas companhias andam em uma maré de produtos mornos. Desde 2023, a Dreamworks foi responsável pelo lançamento de “Ruby Marinho”, “Trolls 3”, “Orion e o Escuro” e “Kung Fu Panda 4”, dos quais alguns você sequer ouviu falar, sendo essas produções infantilizadas que subestimam o público ou enredos tão comerciais que parecem uma vitrine para vender brinquedos. E, no caso da sequência da história do querido panda lutador, seria melhor se nunca tivéssemos ouvido falar sobre ela.
A Universal, por sua vez, não está em uma situação muito melhor. “Five Nights At Freddy’s” não é exatamente o tipo de obra que você coloca no currículo e espera conseguir muitos olhares impressionados. O estúdio também assina sequências sem inspiração de histórias que já deveriam ter encontrado seu descanso final, como “Meu Malvado Favorito 4”, “Poderoso Chefinho 2” e, mais uma lamentável vez, “Kung Fu Panda 4”.
Dito isso, expectativas não deveriam ser criadas sobre um lançamento dessas empresas, certo? Não exatamente. Os estúdios, dentre uma série de produções que, na melhor das hipóteses, causam apenas a indiferença do público, foram responsáveis por algumas pérolas. “Gato de Botas 2” e “Oppenheimer” como exemplares dessa categoria.
E, com um alívio muito grande, “Robô Selvagem” pode ser adicionado ao rol de produções que são capazes de entreter, convencer e, sobretudo, emocionar.
Na trama, um naufrágio desastroso faz com que uma unidade robótica de serviço doméstico se perca em uma ilha habitada apenas por uma variedade surpreendente de animais. Rozzum 7134, ou Roz, é a protagonista robótica desse filme e, em sua confusão em busca de alguém para servir, causa um acidente trágico com vítimas fatais. A partir deste ponto, Roz se vê obrigada a encontrar brechas em sua programação para exercer uma tarefa ingrata que consome toda sua capacidade de processamento, ser mãe do filhote de ganso mais fraco da ninhada e garantir que ele se desenvolva para sobreviver à migração e ao inverno.
E, é esse o grande trunfo do filme. Após fazer o público chorar com reflexões sobre a efemeridade da vida em “Gato de Botas 2” e sobre responsabilidade por aquilo que amamos em “Como Treinar Seu Dragão 3”, chegou a vez da maternidade estar sob os holofotes. Chris Sanders, diretor dos filmes sobre o dragão preto mais amado da história, retorna na direção de “Robô Selvagem” e faz um trabalho sublime que, ouso dizer, talvez supere aquele feito na trilogia sobre montadores de dragões.
O roteiro do longa, também obra de Sanders, evolui sem solavancos bruscos. No início, o conflito que se apresenta na confusão de Roz ao conhecer a ilha logo se desenvolve em outro, e outro, e assim segue por aproximadamente 1h40 de filme. Em uma animação, não tão longa, a inserção de tantos conflitos motivadores, personagens, cenários e diferentes circunstâncias poderia ser um grande problema. Mas, esse não é o caso. O enredo se desenvolve de maneira onde cada acontecimento desencadeia e prepara o terreno para o próximo de maneira tão natural que não se percebe o tempo passar.
De maneira pessoal, as lágrimas surgiram aos vinte minutos, e seguiram até muito depois dos créditos subirem. O roteiro retrata, com a mordacidade habitual da Dreamworks, nuances da maternidade que não são habitualmente vistas, principalmente quando a criança não é planejada, ou sequer desejada.
Até 2024, a maternidade é um tema recorrente no cinema, inclusive em animações. “Red: Crescer é Uma Fera”, “Os Incríveis 2”, “Valente”, “Kubo e as Cordas Mágicas” são apenas alguns dos infinitos títulos que vêm à mente ao pensar no tópico. Ainda assim, “Robô Selvagem” traz uma lufada de ar fresco ao tópico exaurido. Enquanto uma narrativa que se passa em uma ilha habitada apenas por animais, diferentes formas de maternidade são trabalhadas, e Roz precisa assistir a diversas espécies para se adaptar e improvisar sua maneira de cuidar de seu filho. Mas, no filme e na vida, nem tudo são flores e o roteiro faz questão de pontuar como o processo de se tornar responsável por uma criança é exaustivo, irritante, assustador e, acima de tudo, imprevisível. Ainda, se torna impossível não fazer a comparação entre o “ser mãe” e a Mãe Natureza em si, que rege todo o ambiente do filme, e muitas vezes também mostra suas garras. Não é raro que mortes ocorram no filme, apenas porque é como a natureza funciona, e o tópico é abordado com a naturalidade devida.
Quanto a animação… é um show à parte. Ao longo da duração do filme, constata-se que é possível assistir no mudo e, ainda assim, sair da sessão emocionado. A texturização faz com que toda a floresta crie vida em pinceladas de tinta perfeitamente saturadas que acompanham a estação do ano que ordena o momento do filme. O design dos personagens, ao contrário do desastre obcecado pelo realismo do live action de “Rei Leão”, é cheio de personalidade e se aproveita de todo estilismo que (felizmente) vem dominando as animações, como “Homem-Aranha no Aranhaverso” e o já citado “Gato de Botas 2”.
Momentos inspirados com o trabalho de cores criam uma animação com personalidade que é capaz de comunicar a quem assiste toda a infinidade de nuances que se passa no roteiro sem a necessidade de uma palavra sequer.
Torna-se muito difícil apontar defeitos num filme que segue a programação esperada e a típica jornada do herói formulaica,que mantém o ritual, mas oferece outros contornos e executa a perfeição e potencializa todas as respostas emocionais decorrentes da narrativa. Assim, qualquer obviedade e ideias ilógicas do roteiro, ou ocasionais e pequenos saltos no desenvolvimento de personagens, se tornam apenas parte integrante da grande obra que é “Robô Selvagem” e, no fim, o gênero de animação comporta tais invenções.
Ainda, levando em conta o sucesso de bilheteria e crítica que o longa vem registrando, é esperada uma continuação. A história é uma adaptação do livro de mesmo nome, de Peter Brown. E, ao menos literariamente, a história de Roz possui mais duas sequências.