Por Joyce Clara
Com uma reflexão sobre a seca no Ceará – um delineamento histórico mostra o lado B do cenário da seca, que vai além da geografia e envolve aspectos políticos – o grupo Pavilhão da Magnólia (Fortaleza) apresentou A Força da Água, no quinto dia de FENATA (11/11).
Quem assume a direção da peça é Henrique Fontes, que iniciou a construção do texto a partir de uma pesquisa iniciada em 2018, realizada nos Laboratórios de Criação em Teatro da Escola Porto Iracema das Artes. Com o nome de “Dramaturgias da Água e da Seca”, a pesquisa se inspirou na obra “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, muito citada durante o espetáculo.
Esse processo permitiu que o grupo conhecesse Patu, ruínas da construção da barragem que resultou no campo de concentração de Patu. Representado em projeções, a partir de bonecos montados no palco, o local – responsável por muito sofrimento – tem sua história contada com um humor irônico e momentos súbitos de tensão.
“Na seca e na cheia quem comanda é o patrão”. A frase é exemplo de uma parte explorada na narrativa. Ao longo dos 70 minutos de peça, os atores mostram como a falta de acesso à água é uma questão política e de jogo de poderes. “A palavra só tem poder na boca de poderosos”.
Por fim, o questionamento que fica na cabeça do espectador após uma sessão de “rir para não chorar” é: por que a água ainda não é um direito garantido na constituição? E mais que isso, por que aceitamos essa condição?
Angélica Corrêa, uma das espectadoras, destaca a parte da peça que mais a impactou: a que fala sobre o discurso de Castelo Branco. “Como sou uma pessoa que estuda sobre, eu acho que ele, mudando o discurso, mudaria totalmente o presente; isso mostra que pequenas frases realmente podem mudar tudo”, observa. A cena em questão mostra o discurso de posse de Castelo Branco, em 1964, e uma versão em inteligência artificial do que poderia ter sido o discurso.
Quantos mapas são necessários quando não se sabe onde quer chegar?
A Cia de 2 retornou aos palcos do FENATA pelo terceiro ano consecutivo, desta vez com a peça Pé na Curva, apresentada no palco B na última segunda-feira (11) na mostra das 22 horas. Com direção e texto de Jonas di Paula, que atua ao lado de Jean Oliveira, a narrativa traz Tolo e Infeliz, dois andarilhos sobreviventes em um mundo pós-apocalíptico, que buscam o caminho para algum lugar, sem saber qual é esse lugar, mas com a promessa de ser melhor. Após perderem quatro versões de um mapa, eles precisam enfrentar o dia a dia em um mundo sem recursos. Além disso, devem lidar um com o outro, pois são tudo que tem, unidos atrás da esperança de existir uma opção melhor do que a atual.
Uma peça cômica com doses de existencialismo, o cenário – sem necessidade de grandes montagens excêntricas, mas muito bem inserido – e figurino (ou em alguns momentos, a falta dele) conseguem retratar bem o aspecto de andarilhos em busca de algo em algum lugar e toda áurea da peça. Fica em aberto qual lugar seria esse, o que permite ao espectador criar várias opções mais promissoras (ou não) para os protagonistas.
Pé na Curva foi a peça de estreia da Cia de 2, em 2005, que agora conta com mais colaboradores. A ideia sempre foi levar uma comédia ao público que instigasse algum pensamento reflexivo. Os atores contam que se inspiraram muito em dramaturgos e pesquisadores como Samuel Becht e Célia Berrettini.
Outro estudo utilizado para a construção da peça foi sobre os tipos clássicos de palhaços Branco e Augusto, em que o primeiro é a figura de maior autoridade, esperto, realista e o segundo é mais ingênuo, atrapalhado e segue ordens. A antítese dessas figuras é que gera uma combinação cômica na cena. “A gente trabalhou o jogo do Branco e Augusto, que se revezam em algum momento, tem hora que eu sou Branco, tem hora que eu sou Augusto, e existe a simbiose desses personagens. Não necessariamente como um palhaço, mas a gente sempre brinca um pouco com a palhaçaria e a bufonaria”, expõe Jonas. Na edição passada do festival, Moby Dick e os Caçadores da Baleia, da companhia, foi a peça de abertura, enquanto em 2022 o grupo subiu aos palcos com a peça bufônica Leões, vodka, e um sapato 23.