Por Joyce Clara e Yasmin Orlowski
A noite de sexta-feira (11) do 50° Festival Nacional de Teatro (Fenata) contou com a apresentação do espetáculo “Leões, vodka e um sapato 23”, dirigido por Daniela Biancardi e com direção musical de Matheus Guimarães. A mostra adulta teve início às 20 horas, com alguns minutos de atraso e casa cheia.
Logo aparecem quatro criaturas no palco. Os atores – Adriano Laureano, Jean de Oliveira, Jonas di Paula e Romulo Scarinni – caracterizados como leões. Mas não simples leões, eram leões grotescos. Eles pareciam sujos, machucados e com as vísceras para fora. A peça inicia com uma apresentação musical, que faz com que o público tenha uma ideia de todas as surpresas que estão por vir.
Após a apresentação musical, os atores, que encenam e se misturam com o cenário, trazem o público diretamente para uma autópsia, em que a vítima é um dos leões. “Uma bala, estávamos no circo”. E então tem início o fragmento de memória dos quatro animais.
Sem mudanças no cenário e nas vestimentas, os atores conseguem inserir o público no espaço do circo, onde aconteceu uma tragédia. Quatro leões atacaram uma criança, e os policiais (agora interpretados pelos próprios atores) são chamados na tentativa de salvar a vítima. Mas, para salvar a vítima, eles devem matar os leões.
Assim que os polícias conseguem matar os leões, os atores levam o público para outro lapso de memória, agora na perspectiva dos leões, quando estes ainda pertenciam à Savana. Os leões, agora visivelmente felizes, contam que lá sempre tinha sol, que eles eram livres e viviam em bando. Os espectadores acompanham então o processo de caçada, em que os leões são perseguidos, em sua casa, até serem capturados por alguns humanos.
Os leões então são levados até o circo, por um longo e extenso trajeto, com muitas mortes e muita fome, que ficam esquecidas. Ao chegarem no circo, as coisas não mudam muito. São submetidos a um extenso treinamento e acima de tudo: à fome.
Quatro leões atacaram uma criança numa noite no circo. A polícia foi chamada e os matou. Porém, os leões estavam com fome, então se iniciou uma investigação. O tribunal, portanto, chama a primeira testemunha, a bala que matou os leões. Mas da bala a culpa vai para o revólver, que vai para o policial e segue, terminando no dono do circo, que diz que a culpa é de quem tem fome.
A peça é acima de tudo uma crítica ao maltrato aos animais, ao sistema capitalista, à banalização da fome, depende da interpretação de cada um.
Conversa com os atores
Após o espetáculo, a Cia de atores se juntou ao público para debater a peça. Eles contam que a principal inspiração para a construção do espetáculo foi a tragédia do circo Vostok, por ser uma história com muitas camadas possíveis de se aprofundar.
A Tragédia do Circo Vostok Foi um acontecimento no ano 2000 que ocorreu no município de Jaboatão dos Guarapes (Recife) em que uma criança de 6 anos foi atacada e devorada por leões no circo. Após serem abatidos pela polícia, a autópsia mostrou que não havia nada no estômago dos animais, levantando o questionamento se o ataque teria sido consequência da fome ou instinto dos felinos. |
Encenação da autópsia na peça. Foto: Joyce Clara
Um dos principais desafios do espetáculo foi juntar o drama, de um assunto sério, como a morte e a comédia. Além de tentar trazer a história sobre outro viés, dos leões. Foi então que os atores se encontraram na chamada “bufonaria” junto da nova direção da Daniela Biancardi, e toda essa adaptação da dramaturgia ocorreu uma semana antes da estreia.
Quando questionados sobre o papel da arte de ressignificar tragédias, os atores relatam que muitas vezes esses episódios, depois de serem noticiados e comentados, são esquecidos, mas que sempre dialogam de alguma forma com o presente. Também afirmam que o grupo utiliza da comédia para levantar reflexões no público em cima desses fatos, ressignificando histórias com as referências da peça, passando a mensagem que desejam.
“Nos nossos espetáculos, a gente não quer dar respostas, a gente quer deixar perguntas”, afirma um dos atores.
O grupo também relembra a participação no 39° Fenata e define como um divisor de águas para eles, pela grande quantidade de público em relação às apresentações que estavam acostumados, os ajudando a crescer como artistas.
Esta edição do Festival Nacional de Teatro encerra no domingo (13) com a peça convidada O Grande Circo Místico, às 20h, no Cine-Teatro Ópera. Os ingressos custam R$20 (inteira) e R$10 (meia) e podem ser comprados na bilheteria do teatro a partir das 18h30.