Por Iolanda Lima e Joyce Clara
Por Iolanda Lima e Joyce Clara
Após revolucionar a forma de se fazer animação para cinema, principalmente em questão técnica e estética, o vencedor do Oscar de melhor animação Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) recebe seu sucessor, o igualmente impactante e original: Homem-Aranha através do Aranhaverso (2023), filme dirigido por Joaquim dos Santos, Justin Thompson e Kemp Powers, que concorre pela estatueta da categoria nesta edição.
Nessa continuação, Miles Morales se junta a Gwen Stacy e a uma grande equipe, até então secreta para ele, chamada de Sociedade Aranha, com o intuito de enfrentar um novo vilão capaz de se transportar pelo multiverso. Ao longo do filme questões sobre o significado de ser herói e o que é necessário para ser digno da máscara surgem, porém, esses questionamentos são apenas uma cortina para questionar questões de identidade, pertencimento e o peso das tomadas de decisões.
A narrativa começa do ponto de vista da Gwen e de como esconder do pai o que realmente a consome, além do luto pela perda de seu melhor amigo, e a sensação recorrente no universo dos super-heróis: a impotência de, mesmo tendo poderes, não conseguir salvar quem ama. E é nesse dilema que Miles, agora mais maduro e com domínio dos seus poderes, se depara, ao saber que em todo universo um Aranha deve perder alguém próximo, e isso é algo que não pode ser mudado.
O roteiro, que enfrentava o desafio de se equiparar ao do primeiro filme, consegue superar expectativas, com mensagens tão bem articuladas que o telespectador despercebido as recebe apenas em sua superficialidade. Um momento marcante do roteiro é quando a mãe de Miles fala que ele nem sempre será aceito em determinados lugares, mas isso não deve o impedir de continuar; apesar desse ser claramente um conselho sobre como a sociedade se articula, principalmente por Miles ser um garoto negro, aplica-se também à própria Sociedade Aranha.
Observa-se uma relutância por parte do grupo em aceitá-lo como um Aranha, pois, em teoria, ele não era o destinado a ser picado por aquela aranha que o transformou. Porém, Morales não se deixa acoar por isso e se posiciona de forma firme frente a tantas pessoas-aranhas de tantos multiversos, denotando sua força, seus princípios e que é merecedor da máscara. “Nós não deveríamos ser os heróis?”.
O final aberto foi uma tática escancarada de continuação para o lucro, pois a história poderia ter fechado com Miles voltando à sua dimensão original. Mas a escolha deixa uma apreensão muito maior no ar. Cabe agora ao estúdio continuar elaborando mais cada detalhe, e não cair na ansiedade de criar sempre algo inovador. Desenvolver mais as técnicas de pintura, explorar o lado artístico abstrato e ignorar os requisitos mainstream de animação. A terceira possível continuação deve vir carregada de expectativas para algo além do já apresentado nos outros dois filmes.
Para além do 3D
A animação brinca com os planos de fundo e perspectivas, com enfoque nos detalhes dos personagens e objetos específicos, os cenários são montados estrategicamente com manchas e riscos de tintas. Com a composição de cores, o filme consegue passar as emoções através do olhar de cada personagem e a forma que ele vê as situações ao seu redor.
E é nessa coragem de se arriscar que Homem-Aranha Através do Aranhaverso se destaca de outras animações, isso desde o primeiro filme, afastando-se do que se tornou banal nos filmes da categoria. Para além disso, o longa denota a importância de dar valor aos ilustradores, principalmente em uma sociedade que vem sendo dominada por Inteligências Artificiais como “criadoras de arte”. O filme é um exemplo claro de como a criatividade e o talento humano são insubstituíveis, e como os diferentes traços, as singularidades de cada artista tornam o produto muito mais vibrante, deixando a experiência de quem assiste muito mais impactante.
Como já feito no primeiro filme, os animadores não têm medo de criar artisticamente as cenas de luta e ação, com perspectivas muito bem traçadas. Através do Aranhaverso foge das clássicas cenas de briga e coloca peso emocional em cada confronto.
A criação de mais universos, diferentes de Nova York, são bem detalhadas. Mesmo que tenham pouco tempo de tela, é possível notar a profundidade e o empenho em fazer cada mínimo prédio. Destacam-se aqui os cenários do universo do Pavitr Prabhakar, o Homem Aranha indiano.
A escolha de design do vilão foi muito bem pensada, em um mundo cheio de cores e emoções, temos um antagonista branco e preto, sem expressões e que, no começo, não sabe muito bem como lidar com a própria palidez. A forma como vai descobrindo seus poderes e habilidades, mesmo que algo em seu design não mude, permite identificar suas ambições e reações como personagem em branco, e isso tecnicamente é complicado de se acertar.
Um ponto muito interessante são as adaptações dos diversos Homens Aranhas que foram adicionados no filme, pontuando aqui Jessica Drew, uma das Mulheres Aranha, que estava grávida durante toda a narrativa do filme, uma forte escolha que representa a força feminina e deixa de lado estereótipos sobre mulheres grávidas. Apesar do design do Miguel O’Hara se apresentar apagado em comparação aos outros, sua estética combina com sua personalidade e foi muito bem produzida, mas em comparação a Pavitr, por exemplo, acaba sendo apenas mais um estilo dark da franquia.
Já Hobie Brown, o Homem Aranha punk, é um acerto em cheio em design e inovação. Com uma personalidade distinta e forte, o personagem acaba sendo um dos mais importantes para a jornada de Miles Morales. As falas e posicionamentos anarquistas dão um ar político necessário na narrativa da animação, se destacando também na forma de construção de identidade. Sendo um herói em preto e branco, como o Noir no primeiro filme, Brown tem bordas coloridas, fugindo da estética do filme e reafirmando seus ideais.
O terceiro filme “Homem Aranha: Além do Aranhaverso” estava previsto para ser lançado dia 28 de março deste ano, mas pela greve dos atores e roteiristas de Hollywood o lançamento foi adiado, sem nova data prevista.
Em geral o filme é bem produzido, as cores são bem escolhidas e colocadas e tem um roteiro bem pontuado. Um ótimo concorrente para melhor animação, que deve bater de frente com Miyazaki de “O menino e a garça”.