Por Gabriel Aparecido
Com a direção comandada por Yorgos Lanthimos (A Favorita), Pobres Criaturas conta a história de Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem peculiar, sem amarras às normas sociais impostas a uma mulher. No longa, ela deseja explorar o mundo em que vive, mas se vê impedida por Godwin Baxter (Willem Dafoe) e Alfie Blessington (Ramy Youssef), sua figura paterna e seu prometido noivo, respectivamente. Entretanto, a personagem encontra meios para conseguir fugir destes, entrando numa jornada que transita entre o mundo físico e seu próprio mundo psicológico, onde busca por um significado de sua própria existência.
A partir deste ponto é possível começar uma linha de raciocínio que demonstra não só o belo modo como o roteiro foi construído, mas também a atuação de Stone ao interpretar a protagonista. A atriz consegue dar vida visceralmente para a personagem, sendo possível notar somente na entonação de sua voz ou em suas expressões faciais o que Bella Baxter quer comunicar sem dificuldade. Algo também feito com excelência por Dafoe e Mark Ruffalo, que interpreta um dos interesses amorosos de Bella. Nesse aspecto, a história ganha destaque. Os diálogos entre os personagens de Ruffalo e Stone conseguem prender a atenção do espectador, especialmente pela grande diferença que os personagens possuem; ele é um homem favorecido em muitas situações pelo patriarcado estrutural, enquanto ela não observa essa distinção misógina que o mundo possui e estranha quando o personagem de Mark tenta subjugá-la.
Outro grande debate que o filme traz é a sexualidade da mulher. O quão livre pode ser o corpo de uma mulher numa sociedade dominada por homens? O longa tenta mostrar que somente é livre aquela que não se prende a um conceito do que é “aceito socialmente”, algo simples para a protagonista. Todavia, essa conclusão é algo implícito na história e, sem isso, o filme não passaria de um aglomerado de cenas explicitas de relações sexuais, que não estão lá com o objetivo de chocar o público, mas acrescentar algo positivo à história.
Em relação a aspectos técnicos, a direção de arte e a composição sonora também contribuem para a qualidade do filme. Apesar da maioria dos cenários ser feita por CGI, eles possuem uma beleza que relembra uma obra surrealista, com cores e formatos que propositalmente fogem do que seria considerado normal e conseguem expressar o sentimento da personagem principal, sem a necessidade de uma fala dela. É possível destacar toda a sequência que é feita no capítulo “O Barco” e das cenas externas do capítulo “Lisboa”, que de longe são as mais bem construídas do longa. A primeira, com uma ambientação de começo com cores frias que remetem a tristeza e raiva (expressas pela personagem também) e conforme a história evolui, as cores se tornam quentes (demonstrando o sentimentalismo de Bella Baxter), assim como os desenhos que representam o céu, que passam de nuvens escuras a raios de sol. Já na segunda, apesar de não durar mais que 15 minutos e ter poucas falas, consegue demonstrar como seria uma cidade dentro de uma mente ingênua e com prazer em descobrir algo novo.
Na trilha sonora, composta inteiramente por Jerksin Fendrix, um artista que trabalha com algo intitulado “orquestra experimental”, a intenção é buscar arranjos orquestrais diferentes dos convencionais clássicos. Com isso, o músico conseguiu criar uma atmosfera única para o filme, que transporta o espectador exatamente para o que se objetiva: um passado não tão distante, mas com inovações à frente de seu tempo.
Ao todo, o filme é uma narrativa concisa e criativa, diferente do que se tem visto em muitas produções cinematográficas. E juntando a história, com a ambientação e todos os outros aspectos, fica claro o quão merecida seria uma possível vitória ao prêmio de Melhor Filme no Oscar de 2024; além de mais uma conquista de Emma Stone ao prêmio de Melhor Atriz. E apesar da polêmica que tem se criado pela quantidade de cenas explícitas, é impossível negar a qualidade de algo novo e raramente visto em uma indústria que nos últimos anos se manteve por remakes e filmes de super-heróis.