Quanto custa para marcar a história do terror? Para O Exorcista – O Devoto, lançado em 2023, nem o valor altíssimo de mais de 400 milhões de dólares conseguiu fazer barulho. Os motivos, é claro, estão relacionados com o fato de que a obra original é tão difícil de se reproduzir que a própria tentativa já se parece com um ato de desrespeito.
A obra de David Gordon Green se apresenta como uma sequência direta aos fatos ocorridos no filme original, lançado em 1973. Agora, duas meninas são possuídas e contam com a ajuda de suas famílias – e de alguns membros duvidosos da Igreja – para tentar salvar suas almas. Para ser sincera, aqui, o enredo pouco importa. Não há muita história no filme, de qualquer forma.
O que importa é que o orçamento utilizado para o filme é altíssimo quando comparado com outros filmes de terror. Vale informar, porém, que a grande maioria do orçamento de 430 milhões de dólares foi investido na aquisição da franquia. Para um fã de terror, a franquia O Exorcista nem chega a ter preço. É algo inexplicável, sem comparação com qualquer outra coisa produzida desde então. O filme original, na década de 1970, chegou a ser um dos motivos para o surgimento do pânico satânico que ainda assombra o mundo até hoje.
Desde o começo, adaptar essa obra depois de tantos anos parecia um erro. Mesmo assim, os trailers foram interessantes e conseguiram prender a atenção de quem esperava por algo inovador e que fizesse referências inteligentes ao filme original. Com os primeiros relatos da crítica especializada, começava a surgir um gosto amargo na boca de quem estava ansioso pelo longa. Ao assistir, todos os medos se confirmaram: O Exorcista – O Devoto se parece mais com um produto de cinema amador do que com um filme que custou tanto dinheiro.
O filme conta com um elenco que até funciona bem, com atrizes mirins convincentes e um grupo de apoio que parece entender o papel de coadjuvante na história. Mesmo assim, é impossível não notar que, mesmo com tanto esforço do elenco, o roteiro não estava ali para auxiliar no trabalho deles. Com linhas de diálogo rasas, apoiadas em pequenas referências que parecem ter vindo de alguém que nunca assistiu ao filme original, o filme se arrasta, pouco entrega e ainda desrespeita o legado da obra em que prometeu se apoiar. Em alguns momentos, até parece que o filme está começando a se levar menos a sério – o que, aqui, até seria um ponto positivo – mas isso dura pouco, e o longa continua com um tom sério demais em comparação com o resultado que deixa a desejar.
Também não há nada de especial no próprio enredo do filme. Filmes sobre possessões demoníacas já perderam a graça há muito tempo, mas a sequência de 2023 consegue convencer ainda menos que seus parceiros de gênero lançados nos últimos anos. Parece que tudo o que o diretor tinha era uma ideia abstrata e uma vontade absurda de fazer dinheiro com um nome já conhecido. Nessa vontade, perdeu-se o prazer por construir algo inovador e que atualize a franquia, trazendo os dilemas já discutidos na década de 1970 para os anos 2020. A possessão das duas personagens principais é pouquíssimo explorada, dando espaço para dramas familiares e religiosos que não se encaixam na narrativa. Após um tempo assistindo, o espectador até pode esquecer do tema do filme, de tão apagado que ele fica.
Talvez a principal falha do filme, já citada anteriormente, seja o hábito de se levar a sério. Terror e comédia sempre andaram juntos, e é mais benéfico para o terror que se beneficie dessas semelhanças do que as esqueça. O Exorcista – O Devoto parece acreditar que está mais conectado com filmes de herói do que qualquer outro gênero. Em quase toda cena, há frases de efeito baratas, entradas triunfais ou mudanças de enredo marcadas pela trilha sonora heroica. Isso dá um tom mais negativo ainda para um filme que já não é dos melhores.
O clima de filme da Marvel se intensifica ainda mais com a presença de Ellen Burstyn, atriz que interpretou Chris MacNeil no filme original, em 1973. Com cabelos brancos e a sabedoria de quem já teve que lidar com as consequências psicológicas da possessão demoníaca da filha, a personagem de Ellen oferece tanto apoio ao elenco quanto qualquer figurante. Suas cenas são rasas, a personagem mal aproveitada e seu legado é jogado de lado para dar espaço ao novo elenco, que nem parece reconhecer a lenda do cinema que está logo ao lado. Porém, nada supera a inserção amadora de Linda Blair, a atriz que interpretou a icônica Regan MacNeil, ao final do filme. Fez parecer que, a qualquer momento, o Homem de Ferro entraria pela mesma porta, com a mesma trilha sonora.
Linda Blair como Regan no filme original, de 1973. Foto: Divulgação.
Nenhuma obra cinematográfica é completamente ruim. Nesse caso, porém, fica difícil tentar encontrar palavras bonitas para explicar que o resultado foi fruto da mediocridade clara de todos os envolvidos. É praticamente impossível defender algo que veio da ganância de um diretor que nem mesmo parece conhecer a obra que lutou tanto para conseguir adaptar. Para O Exorcista – O Devoto, resta somente o limbo das adaptações de terror esquecidas pelo público. Vale a reflexão: por que o terror continua sendo adaptado, readaptado, refeito e continuado quando as obras originais ainda continuam tão atuais? O Exorcista, em 1973, já tocava em muitos tópicos que ainda são relevantes para a sociedade, décadas após. Dilemas sobre a fé católica, maternidade e sexualidade feminina ainda são temas que servem como tabus sociais. Para quem deseja enfrentá-los e descobrir como esses dilemas são interpretados pelo terror, basta buscar o longa original.