Erick Teixeira se define como PPP – é professor, pedagogo e produtor cultural. Pensa nisso quando acorda e quando dorme. Formou-se em Letras pela UEPG e posteriormente também fez faculdade de Pedagogia. Atualmente, é pedagogo na Secretaria da Justiça, em Curitiba, trabalhando com jovens infratores. Em paralelo, em 2025 completa 10 anos de carreira em Ponta Grossa como produtor cultural voltado para o público LGBTQIA+.
Erick adora pop internacional desde os primeiros momentos em que escutou Toxic, de Britney Spears, ou em que apresentou a tradução de Born This Way, de Lady Gaga, para a mãe e mostrou para ela o que queria transmitir sobre aceitação. Sua maior inspiração é a cantora colombiana Shakira – motivo pelo qual escolheu a língua espanhola para a graduação – e ele se orgulha em contar que a conheceu e que conseguiu relatar para ela como sua carreira foi inspirada pela artista.
Não é a primeira nem a segunda vez que me encontro com Erick. Nos vemos com muita frequência, geralmente de madrugada, nos ambientes que fazem parte da cena noturna de Ponta Grossa. Em alguns momentos, minha função é somente aproveitar enquanto ele atua como DJ. Em outros, trocamos algumas palavras de incentivo e de carinho. Essa é a primeira vez, porém, em que nos sentamos para conversar sobre a sua trajetória.
A timidez do começo
Erick brinca que, desde o começo, sempre gostou de aparecer. Enquanto morava em Jaguariaíva, entre 2011 e 2012, mantinha um blog chamado “Papas na Língua” e saía às ruas para entrevistar pessoas e trocar ideias com amigos. Foi a partir do convite de uma amiga, que produzia uma festa voltada ao público sáfico em Ponta Grossa em 2015, que Erick decidiu se envolver com produção cultural. Os dois tinham a vontade de contribuir para a cena com atualizações – músicas mais atuais e temáticas diferentes, baseadas no que acontecia em Curitiba.
A primeira festa, realizada no Deck, estabelecimento que não existe mais, deu certo, mesmo sem investimento. Erick conta que não tinha experiência como DJ, e que havia dificuldades para formar uma line-up só de mulheres na época, então ele tocou. “Meu primeiro set da vida foi gravado no Sony Vegas. Peguei as músicas, levei no pen drive e dei play. Parecia que eu estava discotecando, e a pista comprou muito!”.
O produtor diz que, no começo, tinha muita dificuldade em estar no lugar cobiçado que é a cabine de um DJ. Ele ainda se sentia retraído quando subia no palco. “Da outra vez, fui vestido de esquilo, para formar um personagem e me sentir mais à vontade”, explica.
Em 2016, outra novidade chegou. Os parceiros sugeriram uma festa chamada Ménage à Trois (“um nome pouco chamativo e provocativo”, nas palavras de Erick). A festa ocorreu na Cavan 77, que ainda tinha um caráter mais underground. Com o sucesso das duas edições do evento, Erick e a amiga que primeiro o convidou para participar como DJ mantiveram uma produtora até 2019. Durante o tempo de parceria, receberam o Selo de Amig@ da Diversidade pela OAB. No final de 2019, diferenças criativas e questões de saúde fizeram com que a produtora chegasse ao fim.
“Não era minha hora de parar”, Erick explica. “Sentia que precisava continuar e fazer com a cena crescesse cada vez mais”. Foi entre o final de 2019 e o começo de 2020 que ele anunciou o lançamento da sua própria produtora, a Bambee. Dois meses depois, veio a pandemia. “Fomos os primeiros afetados e os últimos a voltar”, conta sobre a paralisação após a realização de algumas festas com a nova produtora. Durante o período pandêmico, o produtor seguiu como DJ em espaços com controle sanitário e, sem a muvuca, conseguiu continuar alimentando a cena.
O espaço político
Durante toda a nossa conversa, Erick usa a palavra “político” diversas vezes para se referir à realização das festas. Pergunto para ele o que isso significa, em sua visão pessoal. O produtor conta que, além da preocupação com os eventos, para que tudo ocorresse da melhor maneira possível, havia um momento em especial: os bastidores.
“Eu conseguia olhar para a festa de outra perspectiva, e perceber que o público LGBT de Ponta Grossa poderia estar sendo quem realmente é nesses espaços. É onde eles poderiam beijar na boca, se montar, dançar a música que gostam sem nenhum tipo de preconceito”. Erick enxerga na realização das celebrações uma chama dentro de uma cidade conservadora no sul do Brasil, para que ainda se valorize a arte e a diversidade.
Ele destaca, dentro de sua trajetória, a criação da Parada Cultural LGBTQIA+ dos Campos Gerais. Tudo aconteceu em 2017, quando um vereador da cidade tentou impedir a apresentação de Pabllo Vittar na Munchen Fest. Erick e outros parceiros do DCE da UEPG ocuparam a Câmara dos Vereadores e conseguiram com que fosse realizado o Projeto de Lei Ordinária 347/2017, que institui o dia 05 de dezembro como o Dia Municipal da Luta Contra o Preconceito em Ponta Grossa.
“A partir dali, eu e o Guilherme Portela, que era o presidente do DCE na época, nos olhamos e falamos: ‘Ano que vem a gente vai fazer a primeira Parada!”. E assim aconteceu, após uma união entre projetos das comunidades da UEPG e da UTFPR para reunir fundos. “A gente vendia bottom, adesivo, foi em dinheiro em espécie, na raça. Juntamos 10 mil reais para conseguir realizar a Parada em 2018”, explica. Erick ficou na liderança da organização até a sua quinta edição.
O “PPP” também destaca o Holofotes, desenvolvido pela Bambee, evento derivado de um projeto da OAB. “O objetivo era sair da cena noturna, colocar drag queens, travestis e pessoas trans em um palco, nos holofotes, remuneradas, sem a necessidade de ser em uma balada”, afirma. A primeira edição ocorreu por meio de patrocínios e a segunda com o auxílio de um edital. “A terceira foi porque me pediram, e eu expliquei que não tinha como pagar, mas quiseram fazer da mesma forma. E foi lindo! Foi muito bacana ver esse movimento cultural e essa união”.
Em junho do ano passado, Erick também recebeu uma Moção de Aplauso de autoria da Vereadora Josi Kieras do Coletivo, reconhecendo sua dedicação na luta em defesa dos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ em Ponta Grossa.
Os momentos marcantes
Peço para que Erick escolha um momento do qual nunca se esquecerá dentro de sua carreira como produtor musical e ele me conta sobre a Festa do Vale. Curiosamente, este é o evento que o produtor iria realizar novamente em 2025, mas que foi cancelado por conta de concorrência, fato que causou movimentação na cena de PG.
“Naquela noite, a gente lotou a Cavan e eu estava vestido de unicórnio. Era a festa mais colorida possível, com algodão doce e cama elástica. Precisamos desmontar a cama elástica para caber mais gente”, explica. Erick conta que teve de ir até a entrada do local para avisar ao público que não havia mais como entrar, e que precisavam esperar pela rotatividade do público. “Imagina a cena, eu vestido de unicórnio tendo que ir lá fora!”.
O futuro da cena
Erick acredita que a cena cultural voltada ao público LGBTQIA+ em Ponta Grossa está passando por momentos complicados. Ele afirma que possui receios de que diminua cada vez mais, e que as coisas não sejam mais tão palpáveis como foram em determinada época na cidade.
“Mas eu tive uma conversa recente com esses artistas, em um momento em que estava muito confuso e angustiado, e percebi que, mesmo se a gente não tiver uma festa voltada para esse público, muitas sementes já foram plantadas”, acredita. Para ele, os movimentos culturais e artísticos e a nova geração vão trazer uma nova cara para a maneira como consumimos e vivemos a cultura.
O Erick da cultura
Durante toda a nossa interação, Erick foca na cena da cidade, nos eventos que produziu, nas pessoas que conheceu e nas histórias que construiu. Isso acontece porque é impossível falar dele sem falar sobre a sua influência na cidade – ele se apresenta como parte fundamental da produção cultural de Ponta Grossa – e muitas vezes seu trabalho se confunde com ele mesmo. Por isso, enquanto finalizamos nossa conversa, pergunto não sobre o futuro da cena, mas sobre o futuro do Erick. É neste momento em que ele se emociona, e sua narração se torna mais um desabafo.
“Eu não tinha muita expectativa, e aí do nada eu arrumo quatro datas no primeiro semestre. Já não sou mais o mesmo Erick, então ia ter que ralar. As datas caem pela metade. Isso fez com que eu pensasse se vale a pena continuar gastando a minha energia dessa maneira”, explica. Erick afirma que, possivelmente, seu futuro ainda esteja na cultura, com uma estrutura nova, novas maneiras de ver a cena e como ela pode se transformar. Ele acredita que, talvez, seja essa a hora de começar a se adaptar.
Nos momentos finais da entrevista, eu e Erick trocamos experiências que vivemos em conjunto, envolvendo a maneira como nos sentimos dentro de um cenário cultural. “Eu me emociono porque sei que estou me encaminhando para um tchau ou um adeus. Eu sei que estou me despedindo. Se vai ser durante esse ano, eu não sei. Estou vivendo intensamente. Essa conversa é uma forma de mostrar o que construí, o quanto sou grato e orgulhoso.”
Erick revela que o último evento programado como produtor cultural em Ponta Grossa acontece no dia 18 de abril, com o nome Santa No Soy – sim, na Sexta-feira Santa! Após a realização deste evento, seus planos não são claros. O fim da conversa, porém, não tem tom de despedida. Tem tom de nostalgia, apreciação e a certeza de que a cena LGBTQIA+ de Ponta Grossa persiste, mesmo quando se transforma. Erick pode “passar o bastão”, mas sua história está escrita.