Por Vinicius Orza
Provando mais uma vez que um marketing bem feito consegue vender qualquer obra medíocre, temos o lançamento de ‘’As Tartarugas Ninja: Caos Mutante’’, a mais nova aposta de excentricidade visual para o mundo das animações modernas. Ao servir como um resgate de figuras clássicas do universo pop, o filme tinha o papel de apresentar estes personagens para uma nova geração, criando uma reimaginação que fosse convincente nos dias atuais. Porém, o resultado não foi o melhor possível.
Sempre é uma árdua tarefa pensar em como reimaginar sucessos do passado para divulgá-los no presente, de uma forma que respeite o material original e agrade tanto aos fãs novos quanto aos antigos. E esse é justamente o problema que temos visto há alguns anos. Obras antigas e consolidadas fadadas ao desrespeito por empresas gananciosas que visam o lucro acima da qualidade e fidelidade à obra original.
Exemplos não faltam e a problemática é sempre a mesma, com os popularmente conhecidos reboots tirando toda a seriedade e complexidade narrativa do material original para entregar o resultado mais raso, simplório e vendável possível. Jovens Titãs em Ação!, Ben 10, As Meninas Superpoderosas, Pica-Pau e Scooby-Doo são alguns dos trabalhos que mais irritaram os fãs saudosistas pela falta de qualidade e critério na montagem destas séries.
Uma verdade é certa, os fãs que cresceram assistindo aquelas obras que marcaram sua infância não têm mais tempo de consumi-las caso materiais novos saiam nos dias atuais. O tempo passa, as pessoas crescem, gerações vêm e vão e mudanças são necessárias, afinal, o público alvo não é mais o mesmo. Mas a questão é: o que explica o fenômeno da ‘’infantilização’’ que as séries infantis/juvenis vêm passando nos últimos anos? A época é outra, violência e roteiros mais complexos acabam afastando os olhares dos pais e de quem comercializa estas obras, o que aos poucos transformou completamente o mercado e como os produtos são pensados para o público.
A forma com que a indústria reflete na reimaginação das Tartarugas Ninjas é clara, e todas estão mais bobas e sem o ar sério que tinham. Além de descaracterizados, os personagens também estão mal introduzidos, e a forte relação de irmandade e companheirismo foi perdida para dar lugar a interações baseadas em piadas que não constroem relação alguma; são apenas manequins com poucos traços de personalidade que fazem o que o roteiro quer que seja feito e nada mais. Antes, Raphael era um furioso descontrolado, agora ele é quase tão contido quanto seus irmãos. Leonardo mal mostra seu ímpeto de líder responsável e chega a ser insignificante. Donatello está tão idiota quanto Michelangelo, que acaba sendo o mais fiel ao material original quando todos os quatro estão mais patetas, como ele já era antes. Até o Mestre Splinter está diferente, mas sua paternidade foi a mudança mais positiva na adaptação.
Além dos protagonistas, o filme tem um vilão que debocha da capacidade do espectador com um plano completamente ilógico, e um maniqueísmo exacerbado e sem profundidade alguma na montagem do vilão enquanto personagem bem construído. O genérico Super Mosca ainda é acompanhado por uma trupe de antagonistas que carregam consigo resoluções de roteiro previsíveis, que somadas ao fraco clímax da trama não passam de capangas insignificantes para a conclusão geral, embora tenham mais personalidade que muito personagem principal.
Mesmo com tantas falhas no roteiro e na narrativa contada, verdades precisam ser ditas, e nos quesitos técnicos é onde o filme realmente se destaca. Como relatei na resenha de ‘’Elementos’’, o mercado das animações tem sofrido transformações e estilos de arte estilizados que misturam 3d com 2d vêm se tornando cada vez mais populares. A equipe de produção acerta ao fazer algo de se encher os olhos. Com um estilo rebuscado que mescla animação computadorizada com a desenhada à mão, além de inovações nos efeitos especiais que destoam do restante e geram um charme ainda maior às cenas de ação do filme, chega a ser intrigante pensar na quantidade de tempo necessária para a montagem de cada quadro feito. Se o filme for pausado em qualquer momento temos um quadro de arte complexo que com certeza demorou diversas horas e artistas para ser feito. Pensando na duração total do longa, o trabalho não foi pouco, mas definitivamente o resultado final é recompensador, com uma das produções animadas mais bonitas dos últimos anos.
O clássico estilo descolado das Tartarugas Ninjas é muito bem representado pela trilha sonora, repleta de hip-hop, músicas típicas das ruas e cidades em que a obra se passa desde o seu surgimento. Rappers famosos também estão presentes no elenco original de dublagem, o que ajuda a transmitir a ideia de homenagem que os produtores quiseram dar à cultura local retratada. A direção é competente e mescla as experimentações gráficas com a sonoridade desenfreada dos becos, e o resultado é contemplado em principal às cenas de ação, todas com uma qualidade que eleva um roteiro que não teria salvação sem tamanha técnica obtida.
‘’As Tartarugas Ninja: Caos Mutante’’ é mais uma obra que caiu no limbo dos reboots que não respeitaram o material original e fizeram a coisa mais sem alma possível para chamar a atenção das crianças que vão se sentir entretidas com ação desenfreada e piadas que esbanjam vergonha alheia. Nem uma das melhores animações dos últimos anos foi capaz de salvar um roteiro tão fraco e tão desrespeitoso.