Por Vinicius Orza
A monotonia do cotidiano nos cega para os pequenos detalhes que passam despercebidos por aqueles menos atentos. Diariamente, centenas de pessoas passam pelo Terminal Central como forma de chegar a um outro destino. Em meio a uma paisagem destacada por trabalhadores apressados e estudantes cansados da rotina exaustiva, há aqueles que enxergam na correria uma oportunidade.
É o caso dos diversos vendedores ambulantes presentes nos três períodos de funcionamento do terminal, dia-a-noite. Os produtos são variados, indo desde brigadeiros e cookies a pães caseiros e salgados. Às vezes, a passagem obrigatória pelo local se torna mais tolerável com um docinho artesanal capaz de alegrar, nem que seja um pouco, o dia daquele consumidor exaurido pela rotina. E assim pensa Eduardo Augusto, que enxergou no Terminal Central um possível bom ponto de vendas assim que começou a andar de ônibus na cidade, há cerca de dois anos e meio.
Como usuário diário do transporte público de Ponta Grossa, já me deparei inúmeras vezes com o Eduardo desde que me mudei para a cidade com o intuito de estudar. E em todas essas vezes, a reação dele é sempre a mesma: um cumprimento e sorriso calorosos que acompanham a oferta de seus produtos artesanais. De forma alguma quero dizer que os outros vendedores do local não são carismáticos, mas sinto nele algo diferente dos demais, que constantemente consegue me convencer de comprar uma trufinha mesmo nos meus meses de menos dinheiro.
Já temos quase uma parceria e um carinho mútuo, que me faz apoiar seu trabalho de forma quase exclusiva. E mesmo tendo essa relação, nós nunca havíamos sentado para conversar mais a fundo para eu poder conhecer sua trajetória e motivos que o fazem levantar diariamente para as vendas. Assim, aproveitei a oportunidade que o Cultura me proporciona e decidi montar um perfil daquele que eu já vejo como um amigo das noites frias do terminal rodoviário pontagrossense.
Quem é Eduardo Augusto?
O paulista de 26 anos e natural de Águas de Lindóia – cidade localizada no interior do estado de São Paulo e próxima a Minas Gerais, com cerca de 18 mil habitantes – conta que vive em Ponta Grossa há cerca de dois meses na trajetória da venda de trufas. Após trabalhar com hotelaria em São Paulo, Eduardo chegou na cidade e começou como recepcionista do Barbur Plaza Hotel por alguns meses, antes de se dedicar completamente às vendas, que, hoje, são seu sustento de forma integral. Deduzi que seu antigo emprego tenha ajudado na desenvoltura com as pessoas, e obtive a confirmação por parte dele. “Acredito que de fato aquele trabalho ajudou no meu desenvolvimento, devido às experiências inéditas que eu tive em contato com o público”, comenta.
Porém, o dom das vendas não surgiu da noite para o dia, sendo construído desde que era adolescente. Ele conta que participou de um retiro da igreja evangélica da qual fazia parte por volta de 12 anos de idade e ali o talento teria aflorado após vender 86 trufas em três dias. “O pessoal pegou umas trufinhas pra poder revender, e quem vendesse mais não ia pagar a entrada e poderia levar alguém. Era tipo uma gincana. E eu ganhei, fui a pessoa que mais vendeu naquela dinâmica”. A história é contada com orgulho por alguém que naquele momento ainda nunca havia vendido nada, mas que recebeu a oportunidade de despontar suas habilidades nos entornos da cidade, seja nos bairros próximos de onde morava ou até na escola que frequentava.
Eduardo também tem dois filhos – de 3 e 5 anos -, ditos por ele como seus maiores clientes e que já provaram todos os sabores de trufa em primeira mão. “Eu converso com eles todos os dias por telefone. A primeira coisa que me perguntam quando eu vou buscá-los no final de semana é sempre: ‘papai, trouxe trufa?’” Assim, sua dedicação no trabalho e motivação diária surge do desejo de proporcionar uma boa vida às crianças e um sorriso no rosto delas.
Suas vendas são feitas sob encomenda pelo perfil no Instagram ou no Terminal Central. Os horários variam nos dias de semana, iniciando por volta das 11h e indo até 18h, enquanto, nos sábados, costuma começar a vender no final da tarde e ir até as 22h. Apesar do que eu pensava, o horário do almoço não é quando ele atinge o pico de vendas. Ele me contou que a maior parte dos lucros é feita às 17h, quando as pessoas estão indo para casa.
Apesar da pergunta um tanto quanto intrusiva, Eduardo não se mostrou incomodado ao responder sobre seus lucros diários e mensais com as vendas. No melhor dos casos, em que 40 trufas forem vendidas com um faturamento máximo de R$200, o líquido equivale a cerca de R$80 no dia após descontar o valor da alimentação, materiais e transporte. “Em um mês bom, se somar tudo varia entre R$1800 e R$2300, o suficiente para eu conseguir me manter e viver bem”, diz, reforçando que seu sustento vem totalmente por parte dessas vendas.
Atualmente, Eduardo dedica seus esforços à produção de trufas de chocolate, cones trufados, donuts e uma novidade a qual revelou para mim em primeira mão: pudim de leite condensado com calda de caramelo. Os sabores variam em cerca de 11 opções, e vão desde aqueles feitos com fruta natural – abacaxi, morango, limão e maracujá -, até os mais doces – leite ninho, prestígio, paçoquinha, oreo, sonho de valsa e ouro branco.
Apesar da variedade, para ele, os ingredientes são simples: chocolate blend – que mistura o meio amargo e o ao leite – fracionado, leite condensado, creme de leite e amor, o mais importante das suas receitas e que não falta durante o preparo. Minha curiosidade me instigou a perguntar sobre os sabores que mais vendem, e sem pensar muito ele cita que os mais procurados são os de maracujá e leite ninho. “Mas para mim, o melhor é o de prestígio. Foi o primeiro que eu comecei a fazer, então é como se fosse o carro chefe da empresa”, declara. Seu sonho é de que o negócio vire algo maior, através de uma loja de confeitaria franquiada com doces gourmet, e ele vê o negócio com otimismo.
Timidez e vendas
Quem passa e nota Eduardo com tamanha desenvoltura para conversar com as pessoas nem imagina o quanto ele já foi tímido. Durante a entrevista, tivemos de mudar o local pois fomos praticamente impossibilitados de conversar no Terminal, devido a interrupções constantes. O pessoal já o conhece e vem cumprimentar, brincar e perguntar como estavam as vendas naquele dia. Inclusive, acompanhei de perto o processo dele para vender uma trufa, com todo aquele carisma ao qual eu já estava acostumado e vi como algo inerente ao seu cerne. Apesar de todo o engajamento com o público, ele me contou que já foi bem travado nas abordagens. Chegava ao ponto de oferecer o produto errado e falar um “bom dia” no horário noturno.
“Para mim, a dica é perder a vergonha fazendo aquilo que você tem vergonha”, afirma quase como um dogma de alguém que sai diariamente de casa com pontos de interrogação na mente: o dia será bom ou ruim? Haverá algum problema ou não? Estas são questões que emergem no cotidiano de qualquer vendedor que necessita do contato com as pessoas para gerar seu sustento. Se hoje ele consegue conduzir o nosso diálogo de forma tranquila e natural, o mesmo não poderia ser visto há alguns anos, em que qualquer contato com o público era visto como um desafio.
Como um estudante em formação, também já recebi muitos “nãos” durante o processo de aprendizado da prática jornalística. Às vezes, é difícil manter a postura e seguir em frente após um jornal ou entrevista rejeitada. Pensando nisso, perguntei como Eduardo faz para não levar as rejeições para o coração, e eu mal imaginava que sua resposta ficaria tão marcada na minha mente. “Você deve pensar sempre que na próxima pessoa você vai conseguir um sim, só isso”, diz, com a confiança de alguém que tem propriedade no assunto. E complementa: “Se você ficar sempre esperando por um não, sempre a vida vai ser um não. Então, na próxima vez vá atrás do seu sim”.
Mesmo com o receio natural de chegar nas pessoas e de acontecer um imprevisto, Eduardo se mantém positivo com o otimismo de que a abordagem resultará em uma venda. Ele conta como é impossível prever como cada cliente irá reagir, afinal, mesmo vendo as mesmas pessoas em quase todos os dias, elas nem sempre estarão com o mesmo humor e comportamento. “Por isso, é importante sempre apresentar o produto da melhor forma possível, com um sorriso no rosto para tentar vender um docinho”, descreve.
Ele ainda me contou duas das situações mais marcantes de sua trajetória: quando compraram todos os seus doces de uma vez só. A primeira vez foi em São Paulo, com cerca de 20 trufas, em que levaram todas. A segunda já é mais recente, no Terminal Central, quando tinha recém iniciado as vendas do dia com 60 trufas, e um casal que também vendia produtos se interessou pela mercadoria dele. “Foi uma coisa sensacional quando falaram que iam levar tudo, e eu surpreso mal conseguia acreditar, mas realmente compraram toda a mercadoria”, lembra.
Como encerramento, pedi para ele deixar uma mensagem para os leitores do Cultura Plural, e assim o fez:
E nos despedimos. Eu enfim havia conhecido a história daquele parceiro que sempre me encontra no terminal e me recebe com um cumprimento caloroso mesmo nos momentos de desalento. Agora eu sabia que poderia levar para casa, além das deliciosas trufas caseiras, lições importantes de vida que se perpetuarão pelos longos anos da minha vida no âmbito jornalístico.