Quando a quinta temporada da série da Netflix Black Mirror foi lançada em 2019, fez pouco barulho. Desde então, a produção entrou em um hiato mais silencioso ainda. Em junho de 2023, Black Mirror retornou para uma sexta temporada. Para os fãs, a preocupação superava a ansiedade para conhecer as novas histórias que fazem parte do grande mundo construído somente para o enredo.
O primeiro episódio, “A Joan é péssima”, conta uma história envolvente e divertida, ritmo praticamente desconhecido para os fãs antigos. O estilo é bem vindo, e o roteiro acelerado demonstra um início forte de temporada. No episódio, conhecemos Joan (Annie Murphy), mulher comum que descobre que sua vida está sendo adaptada para uma série. Assim, todas as suas decisões, desde as mais comuns até as mais polêmicas, se tornam públicas.
Apesar do ritmo animado, atuações louváveis e história interessante, é curioso considerar que o episódio está sendo transmitido na Netflix – empresa duramente criticada pelo capítulo. Esse tipo de crítica ao mundo do streaming acontece mais de uma vez durante a temporada e, após o choque inicial de descobrir que os roteiristas tiveram essa coragem, fica o sentimento esquisito de saber que, no mesmo nível em que a série colabora para as críticas, também o faz ao transmitir essa crítica na própria plataforma.
O segundo episódio da temporada representa mais uma força – talvez uma das maiores, perdendo somente para o episódio seguinte. “Loch Henry” conta a história de um casal de cineastas, Pia (Myha’la Herrold) e Davis (Samuel Blenkin), que decidem mudar a trajetória de suas carreiras. Antes, eles queriam gravar um documentário sobre natureza, que, sinceramente, parecia bem chato. Ao descobrir os segredos de um crime que aconteceu há algumas décadas, o casal decide investigar tudo o que a mídia local tinha deixado para trás.
“Loch Henry” é envolvente, misterioso e tem o gostinho das primeiras temporadas de Black Mirror – personagens comuns em cenários banais vivendo situações meramente excitantes antes de encontrarem um verdadeiro mistério. Novamente, aqui ocorre uma crítica ao streaming, dessa vez citando a necessidade de essas empresas transmitirem obras de true crime no catálogo, pouco importando a construção ética dessas produções. A crítica pouco favorece o episódio, já que, em uma procura de menos de 30 segundos no catálogo da Netflix, mais de 50 obras de true crime produzidas pela empresa podem ser localizadas. O sentimento das críticas é sempre o mesmo: a Netflix sabe o que faz, mas não tem a mínima intenção de fazer algo sobre isso.
“Beyond the sea” é o grande destaque da sexta temporada. Na versão fictícia de 1969, dois astronautas, Cliff (Aaron Paul) e David (Josh Hartnett), transitam entre a vida real, na Terra, e a vida no espaço, onde estão completando uma missão. O relacionamento entre os dois personagens principais, além da relação deles com suas famílias e o mundo ao redor representa o ponto mais forte do episódio, que não pode receber uma descrição muito grande sem embarcar em uma rede infinita de spoilers.
É difícil encontrar alguma crítica negativa ao episódio, formulado de maneira impecável para surpreender e emocionar ao mesmo tempo. Sentimentos de raiva e frustração dominam o espectador, que, quando acha que conseguiu adivinhar o que vai ocorrer no desfecho, é surpreendido com uma versão inflada e muito mais dramática do que era imaginado. O destaque fica para a atuação de Aaron Paul, que domina a tela a cada segundo que passa.
Os últimos dois capítulos são, francamente, tão insignificantes comparados com o resto da temporada que é complicado encontrar algo de relevante para falar sobre eles. “Mazey Day” não é só um fracasso como é um desrespeito para os fãs que acompanham a série. O enredo segue paparazzi tão insistentes que se tornam stalkers de uma estrela do cinema problemática. O episódio toma um rumo sobrenatural que, se fosse realizado de uma maneira correta até poderia funcionaria, mas falha miseravelmente. É como se a temporada decidisse que os três primeiros episódios eram bons o suficiente e que, agora, eles poderiam jogar para o público aquelas ideias que os roteiristas tiveram quando estavam completamente fora de si.
“Demônio 79” é o último episódio da temporada, e apresenta Nida (Anjana Vasan), uma jovem que recebe um demônio em sua casa e é forçada a cometer atos criminosos e homicidas para impedir que algo de muito ruim aconteça com o mundo. O episódio também é fraco, mas nada supera o desastre que é “Mazey Day”. “Demônio 79” tem um clima bem gostoso de slasher dos anos 1970, o que faz com que o nível do episódio suba um pouco. As atuações também são boas, e a estética do episódio é satisfatória.
A conclusão sobre a temporada é bem clara: se só existiam 3 episódios bons, a temporada só deveria ter 3 episódios. Isso não é novidade para a série, já que diversas temporadas apresentam esse número de episódios em específico. Black Mirror tem sorte de trazer “Loch Henry” e “Beyond the sea” para que a série não caia novamente no esquecimento. Também tem a sorte de contar com uma legião de fãs que, se não desistiu logo na quinta temporada, não desiste nunca mais.