“Todos aqueles que procuram a morte, vivem. E todos que procuram a vida, morrem”. A frase proferida por John Wick (Keannu Reeves) e Caine (Donnie Yen) no clímax do novo, e possivelmente final, exemplar da saga dos assassinos do hotel Continental possui uma poética interessante. Ela não somente ilustra o conflito de Wick durante a saga, mas também traduz de forma elegante o que faz desse longa o melhor da franquia.
Em Baba Yaga, subtítulo exclusivo da distribuição brasileira, Wick descobre uma última chance de encerrar a perseguição da Alta Cúpula: Desafiar o Marquês de Gramount (Bill Skarsgard), nomeado o novo carrasco, para um duelo. Porém, para estar apto a propor tal desfecho mais “pacífico”, Wick precisa embarcar em uma jornada que o faz reencontrar antigos aliados como Caine (Donnie Yen) e Shimazu (Hiroyuki Sanada) em condições indesejáveis e fazer as pazes com a sua origem dentro da Ruska Roma.
Os primeiros aspectos que diferenciam Baba Yaga é a preocupação com a construção atmosférica que antecede os espetáculos de ação, em texto e direção – que agora pode esbanjar ainda mais finesse na mise-em-scene – e a busca pela inovação do diretor Chad Stahelski. Além de mostrar os tradicionais build-ups de roupas e equipamentos, a câmera e a companhia do cineasta e seu fotógrafo – o excelente Dan Laustsen – se preocupa em transmitir de forma mais lenta a percepção de perigo eminente e com isso aumentar o nível de suspense e antecipação do público para que, quanto o caos balético de suas coreografias implodir, a satisfação catártica seja mais intensa. Algo sumarizado na sequência de Berlim onde o senso de medo de Wick é amplificado pelo uso de câmera lenta e desorientação estroboscópica do local.
Na alçada do roteiro, temos um trunfo. Pela primeira vez, a preocupação em estabelecer uma questão dramática supera a necessidade de entrega do espetáculo pelo espetáculo. O que aproxima o quarto capítulo de ser uma continuação direta do primeiro filme, tematicamente, e que faz os dois exemplares anteriores soarem como laboratórios de teste controlados, um passatempo para Stahelski e companhia aperfeiçoarem seus métodos e se divertirem em sequencias que poderiam não ter espaço dentro de uma narrativa mais robusta – para o padrão da série.
De forma alguma isso deve ser interpretado como uma crítica à qualidade dos capítulos anteriores. Pois, enquanto montanhas russas que fazem da violência sua matéria prima para o entretenimento como musicais usavam a dança e melodia nos anos 50 e 60, eles cumprem perfeitamente com o que se propõem. Ainda que fazendo isso com fiapos narrativos e algumas frases de efeito para tentar dar sentido às estórias. Em uma comparação com a gastronomia, são ótimos fast foods para passar o tempo.
Dentro do capítulo mais recente, tal faceta continua presente, mas ganha mais sabor e distinção quando aliada a uma construção dramática – e até filosófica ao abraçar de vez a jornada de ronin1de Wick – que sabe como balancear melancolia e suspense para temperar a ação.
Tal mérito talvez possa ser creditado à ausência de Derek Kolstad, roteirista dos três filmes anteriores e criador da série, e seu método de estilização de vídeo game baseado em idealizações plasticamente notáveis mas ancorado na repetição. Aqui o roteiro pode não ser perfeito – a rusga com Winston (Ian McShane) soa trivializada e toda a sequência de abertura, ainda que imponente, poderia ser descartada na edição – mas merece crédito por fazer tal universo hiper-realístico possuir um gravitas coerente com suas consequências e mitologias presentes no extra espetáculo. Algo que faltava ao primeiro filme, já que soava tosco quando saia da pancadaria engenhosa para tentar ser mais profundo.
O melhor exemplo da abordagem de Shay Hatten e Micahel Finch é o personagem de Donnie Yen. Ícone chinês lendário das artes marciais, Yen aqui interpreta um assassino cego que é obrigado a sair da aposentadoria para caçar quem outrora era um grande amigo por conta das ameaças que recebe direcionadas à filha. Tal condição não apenas cria diversidade para a ação, mas também oferece carisma e complexidade raros nesse universo. Algo que Yen aproveita com toda sua experiência de showman.
Não há dúvidas que a saga de Wick poderia se estender por pelo menos mais duas sequencias usando a metodologia de Kolstad, e com certeza não faltariam ideias de sequencias mirabolantes para a equipe de Stahelsky. Mas, trazendo a frase do início, a vida útil da franquia no imaginário dos fãs requer que, assim como a lição aprendida por Wick neste filme, deve haver um fim digno que dispense delongas inúteis para que os méritos sobrevivam. E, considerando o quanto a direção de Stalhelsky se esforça para diferenciar esse capítulo, nada poderia ser melhor para encerrar a saga do assassino carismático de Keannu Reeves em grande estilo.
1 Guerreiro sem mestre ou causa da cultura samurai do Japão