Como adaptar uma obra clássica como Pinóquio de modo inovador e bem-feito? Essa é uma pergunta que somente Guillermo Del Toro pode responder. Apesar de ser uma história conhecida pela população em geral, o diretor vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2018 cria uma nova atmosfera para o conto do menino de madeira, em grande parte, graças à técnica de animação em stop-motion.
Esse método de criar filmes animados consegue deixar o visual do longa mais verdadeiro ao que se propõe, ou seja, os mínimos detalhes pensados na movimentação de personagens como Sebastião, o Grilo, e o próprio Pinóquio, fazem com que o espectador veja com maior veracidade a ação das personagens. Mas não somente isso, a delicadeza com que é contada essa história faz uma grande diferença, já que desta vez a trama não resulta em uma lição de moral para impedir que crianças mintam, mas sim falar sobre a morte e principalmente sobre o luto.
Algo que tem destaque nisso é a depressão que Gepeto adquire após a morte de seu filho, Carlo, que resulta na criação de Pinóquio. Del Toro coloca uma nova perspectiva nesse sentimento: o luto de uma criança. Sendo recém criado, o menino é inocente, não sabe o que existe além do bem, e cada vez que morre, conversa com a Morte antes de renascer, trabalhando-a como alguém sábio e aconselhador, diferente da versão do seu concorrente ao Oscar, Gato de Botas. Por ter algumas vidas a mais, o menino de madeira leva tempo para compreender o sentido da morte em si e o que significa “não voltar mais”. Essa versão da Morte não assusta, mas deixa intrigado quem vê. Isso demonstra o quão inteligente foi Del Toro ao escrever o roteiro para esta obra, que mesmo tendo como alvo o público infantil, deixou pequenos toques que fazem com que telespectadores de diversas faixas etárias se identifiquem com a obra e compreendam a sua mensagem.
Pinóquio e a Morte em uma das cenas da obra | Foto: Reprodução
Outro ponto que merece destaque é o momento histórico em que a trama se passa, a Itália fascista. Trata-se de um aspecto pouco visto, especialmente em animações, mas Del Toro consegue fazer isso com maestria. Começando somente como plano de fundo e um detalhe a mais nos cenários, o regime de Il Duce (como é referenciado Mussolini no longa-metragem) ganha cada vez mais destaque, fazendo com que até mesmo o personagem que dá nome ao filme cante marchas que reverenciem o regime. Esse momento da narrativa, apesar de ser trabalhado como sátira, modifica o menino de madeira, que após passar pelas adversidades de se ver sozinho no mundo, sem seu pai e criador, encontra-se num regime de segregação e valorização de um “ser superior”.
Entretanto, isso é só um toque na história do boneco de madeira. A construção da vida e morte é o que rege o filme, sondando cada personagem, mas não como algo extraordinário e sim como mais uma parte do viver. E apesar dos grandes momentos de tensão que algumas cenas possuem, como a submissão de Gepeto ao alcoolismo, os temas são tratados com leveza. Luto, morte, solidão e preconceito parecem ser conceitos demasiado adultos para uma animação infantil. Mas, com a devida maestria, Guillermo Del Toro consegue trabalhá-los e ainda criar uma obra-prima, que mesmo tendo como base uma história de 1883, consegue ser totalmente original e unicamente inovadora.