Quando Avatar (2009) se tornou a maior bilheteria do cinema moderno, o mundo desconhecia o potencial de um serviço de streaming, a supremacia do gênero de super heróis estava se estabelecendo e havia o hábito de sair e prestigiar o cinema de forma mais comum antes da pandemia estimular o consumo doméstico. Até então, James Cameron, diretor de obras seminais do cinema, como Exterminador do Futuro II (1992) e Titanic (1997), costumava dar uma estória sólida – ainda que não lá muito original – para estofar seus grandes e inovadores espetáculos.
Depois de 13 anos e uma pandemia, “Avatar: O Caminho da Aguá” (2022) chega ao cinema com a missão dificílima de igualar o sucesso do antecessor enquanto tenta convencer de que a experiência em uma sala de cinema ainda é muito superior ao conforto doméstico. A estória dessa vez acompanha Jake Sully (Sam Worthington) e família enquanto lutam contra uma nova e mais mortal investida do povo da Terra para saquear Pandora.
Elogiar a qualidade técnica do filme é um desserviço aos profissionais envolvidos. A equipe trabalha desde 2005 na criação e aperfeiçoamento da tecnologia usada na captura de movimentos dos personagens em tela. Um esforço de uma vida que torna a sensibilidade desse belo mundo alienígena uma obra anos luz à frente de qualquer outra investida do mercado de efeitos especiais da atualidade. Algo que a mise en scène majestosa e fluída de Cameron valoriza de forma a amplificar o potencial de banquete constante aos olhos do espectador.
Dito isso, é uma pena que o filme acabe por falhar em muitas coisas que seu predecessor acertou em 2009. Trocando o mito de Pocahontas pelo de Jon Dunbahr como conto guia da estória em sua reimaginação do período colonial estadunidense, Cameron acaba por estruturá-la sob a perspectiva de um personagem sem uma caracterização ou motivações decentes, Loa´k, filho de Jake Sully, e sem um conflito que amarre suas ambições ecológicas a um senso de urgência narrativa. Algo básico em um filme do gênero ação.
O resultado é um filme com um primeiro ato esticado de uma hora que é estendido por duas cenas de ação que poderiam ter sido condensadas enquanto clímax de ato; um segundo ato que possui imagens belíssimas, mas de pouco efeito, visto que parecem forçadas dentro da narrativa; e um terceiro ato que cumpre com o esperado, mas que talvez venha muito tarde para reanimar público – e que mostra que dessa vez Cameron foi menos inventivo nas cenas de ação, basicamente repetindo dinâmicas sem nenhuma técnica mais arrojada de destaque como havia feito em 2009.
Enquanto Loa´k pena para manter o público ao seu lado, Jake Sully (Sam Worthington) acaba relegado a um arco fraco que pela previsibilidade o faz ser um coadjuvante no próprio filme. A maior decepção nessa parte é Neityri (Zoe Saldana). Guerreira forte e destinada a ser a líder espiritual dos Omatikaya no primeiro filme, aqui ela é relegada a ser uma mãe que ora chora, ora esbraveja.
Esse processo de mediocrização do que antes era um diferencial do filme também vale para o world building do universo de Cameron. A divindade Eywa, que dava um toque espiritual palpável – argumentativamente a melhor coisa do filme – à luta do Nav´is, aqui mal é citada e o que se desenvolve são apenas dicas do que virá no próximo filme.
Todo esse descompasso supostamente serve para dar mais tempo de tela às causas ecológicas de Cameron. Mas, quando o filme se debruça a isso ou cria imagens deslumbrantes – e gratuitas dentro da trama – ou subtramas superficiais em seu maniqueísmo, como mostra a parte dos pescadores humanos em Pandora.
Como muito do que é introduzido será apenas concluído no próximo filme, o longa no geral soa como era previsto em seu planejamento – que fazia de Avatar II e III uma obra única, mas que foi dividido por conta do quão longo ficaria. Tudo culmina em uma experiência incompleta, a metade de algo que só ira atingir o potencial pleno no próximo capítulo – que considerando o resultado excelente da bilheteria (1 bilhão de dólares em 14 dias) sairia mais cedo do que os 13 anos que separaram Avatar I e II.
Pandora ainda é um lugar bonito de se ver através das lentes de Cameron. Contudo, por hora esta mais difícil de ser sentida ou mesmo levada a sério. Enquanto a capacidade e motivação do diretor de sempre querer forçar a tecnologia e o próprio meio a evoluir em sua técnica é invejável, sua preocupação narrativa – e mesmo com o entretenimento – nunca pareceu mais escanteada e desmotivada. Um ciclo perfeito de auto sabotagem para fazer com que todos adorem as imagens mas que não liguem a mínima para o que representam.