Por Sérgio Gadini
Livro conta a história de jornalistas, migrantes italianos, que atuaram na região do Rio da Prata entre 1827 e 1860. Pesquisa é tese doutoral do historiador Eduardo Scheidt
Como chegaram à região Platina e o que fizeram os italianos Pedro de Angelis (Nápoli, 29/06/1784 – Buenos Aires, 10/02/1859), Gian Battista Cuneo (Oneglia, 1809 – Florença, 18/12/1875), Tito Lívio Zambeccari (Bolonha, 3/06/1802 – Bolonha, 2/12/1862) e Luigi Rossetti (Gênova, 1800 – Viamão/RS, 24/11/1840) em terras ‘hermanas’? Ao chegar no Rio de Janeiro, fugindo das perseguições do então governo italiano, entre as décadas de 1820 e 40, os quatro profissionais atuaram como ‘publicistas’ editoriais em periódicos que defendiam causas nacionalistas e democráticas, circulando entre Buenos Aires, Montevidéu, Porto Alegre e as duas ‘capitais’ dos farroupilhas no interior do Rio Grande do Sul: Piratini e depois Caçapava.
Vale destacar aqui o migrante que teve a vida interrompida pelo envolvimento militar em uma batalha farroupilha, durante ataque do exército imperial, na localidade de Setembrina (atual município de Viamão, região metropolitana de Porto Alegre), em 24 de Novembro de 1840: Luigi Rossetti.
Rossetti passa a integrar o movimento ‘Jovem Itália’ (comandada por Giuseppe Mazzini, a partir de Londres, também exilado) ainda quando estudante de Direito, quando enfrentou o primeiro exílio em Malta (1821). A vinda ao Brasil acontece em 1827, no Rio de Janeiro, onde milita junto aos imigrantes italianos na organização de um núcleo da mesma Giovine Itália’, quando conhece Garibaldi.
Ao desembarcar no porto de Montevidéu, junto com Garibaldi, Rossetti vai a Piratini, capital da República Farroupilha, onde chega em 7/04/1937, integra-se ao movimento e passa a pensar na criação de um jornal. Em cartas a Batista Cuneo, Rossetti informa os preparativos e antecipa que deve assumir a redação do periódico, que circula com a primeira edição em 01/09/1938: O Povo, jornal oficial do governo republicano, que tem por lema uma orientação mazziniana (Giuseppe Mazzini, criador do movimento ‘Jovem Itália’): “Liberdade – Igualdade – Humanidade”.
De acordo com a cuidadosa pesquisa de Eduardo Scheidt, em todas edições, O Povo circula com a epígrafe “o poder que dirige a revolução tem que preparar os ânimos dos Cidadãos aos sentimentos de fraternidade, de modéstia, igualdade e desinteressado e ardente amor da Pátria. (Jovem Itália. Vol.V.)”.
Rossetti dirige O Povo até a edição 47, quando deixa o cargo e se junta às tropas militares, que rumam à Santa Catarina, onde tomam Laguna e criam a República Juliana, em Julho de 1939, que dura poucos meses, e retornam às batalhas no RS. Quando em SC, Rossetti envia textos para O Povo, que são assinados com o pseudônimo de Joaquim Teixeira Nunes, como ‘repórter’ e militante farroupilha. Em seu curto período de existência, O Povo circula às quartas e sábados, a partir de Piratini, e depois do número 46, de Caçapava, que passa a funcionar como ‘capital’ dos farrapos. A partir do início de maio de 1840, Gian Batista Cuneo assume a redação. Poucas semanas depois, em um ataque das forças imperiais à gráfica, já em Caçapava, O Povo deixa de circular no final de maio de 1840 e o ex-diretor retorna a Montevidéu.
Ao ser mortalmente ferido pelo ataque das forças imperiais, em novembro de 1840, Rossetti tinha apenas 40 anos de idade. A personagem é uma das figuras que remetem à memória da Revolução Farroupilha (1835-1845), principalmente pelo trabalho como jornalista e também pela amizade com Giuseppe Garibaldi, que o considerava um ‘irmão’ na luta e vida.
Pelo trabalho de Rossetti, bem como dos demais jornalistas migrantes, é possível conhecer um pouco das lutas políticas travadas na região Platina, ao longo do século XIX, bem como identificar algumas contradições, limites e traições do movimento farroupilha, que deixou milhares de mortos e marcou um momento típico de guerras civis em que a conta sobra(va) habitualmente aos pobres, soldados ou não, peões, negros, mulheres e crianças que vivenciam os horrores dos desmandos de elites que empunham bandeiras na defesa de interesses particulares às custas das maiorias silenciosas. Na guerra dos farrapos, guardadas as proporções, as tragédias também se repetem!
Agora, para conhecer a trajetória dos demais jornalistas italianos que se envolveram em causas políticas na Região Platina no século XIX, fica a sugestão da leitura do livro de Eduardo Scheidt. Vale o tempo e a aposta!
Livro: Carbonários no Rio da Prata – jornalistas italianos e a circulação de ideias na Região Platina (1827- 1860). Autor: Eduardo Scheidt. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. 196p.