Por Sérgio Gadini
Um filme que resgata a atualidade e a importância da solidariedade humana nas relações humanas. Este é o fio condutor da mais recente obra do britânico Ken Loach, no ano em que o ousado e criativo cineasta completa 88 primaveras, com uma trajetória marcada por filmes que oscilam entre a denúncia de problemas seculares, a constante presença de personagens inconformadas com injustiças sociais e a insistente aposta na esperança, que diferencia a média de almas sensíveis que veem além do horizonte imediato.
Quem viu alguns dos clássicos e premiados filmes de Loach – Terra e Liberdade (1995), Ventos da Liberdade (2006), Eu, Daniel Blake (2016), Você não estava aqui (2020), ou talvez outros – muito provavelmente não deve perder a agenda de O último pub (2024), em cartaz em poucas cidades do País A hipotética justificativa ao restrito acesso é a lógica da indústria cinematográfica para produções que não asseguram bilheterias lucrativas. Infelizmente!
No roteiro com 113 minutos de duração tem xenofobia, sabotagem e discurso de ódio contra migrantes, pobreza e fome que afetam a infância de migrantes e também de ‘nativos’ que sequer percebem que a exploração e a desigualdade antecedem a vinda de refugiados sírios, bullying, inveja, conservadorismo moralista, bem como o desencanto de personagens que acreditam fazer algo por um mundo justo. Muita história, sempre ambientada nas marcas da espoliação predatória capitalista, neste caso devido ao fechamento de minas de extração carvoeira no interior (nordeste) da Inglaterra.
Mas para quem vê o raiar do sol como indício de esperança, o filme de Ken Loach resume o dilema de um último proprietário de pub, que se segura em uma restrita clientela fofoqueira, que reproduz desinformação e violência verbal entre a conversa de bar e o compartilhamento de fake para prejudicar refugiados que escapam de regimes autoritários para sobreviver.
A amizade solidária entre o proprietário do pub (Dave Turner) e a refugiada síria (Ebla Mari) que surge e, aos poucos, muda a vida da comunidade com pequenos gestos pela dignidade dos que mais precisam de ajuda é o fio condutor de uma história simples com a força de uma mensagem direta: é sempre tempo de ‘esperançar’, diria o mestre Paulo Freire.
Em tempos de celeridade desinformacional, onde estereótipos cegam por antecipação, alguém poderia se preocupar com a biografia do diretor, antes mesmo de conhecer a obra: Ken Loach é socialista, não é gente? “Sou um velho socialista ancorado na realidade“, diria o cineasta e autor de vários livros. Talvez, também por isso, ele tem a necessária habilidade profissional para obras geniais. Daí em diante, cabe aos humanos mortais, como este escriba/contribuinte, compreender a criatividade e a coerência artística que o cinema proporciona. Vale a aposta, para um giro em ‘O último pub’, onde sempre tem espaço para mais alguém. E desejar uma vida longa ao respeitado Ken Loach!
Sérgio Gadini, professor em Jornalismo na UEPG. E-mail: slgadini@uepg.br