Por Cultura Plural
Quando se fala sobre a cerimônia do Oscar, é comum que categorias consideradas como grandes e mais importantes sejam citadas com maior frequência. Como consequência de uma realidade centralizada nas vivências estadunidenses, é raro que a categoria de Melhor Filme Internacional – antes denominada “melhor filme estrangeiro” – receba a atenção que merece. Na reta final da cobertura sobre a premiação deste ano, o Cultura Plural destaca esses candidatos, suas contribuições para o cinema mundial e seus méritos, que não devem passar despercebidos. Infelizmente, nenhuma obra brasileira foi selecionada para concorrer ao prêmio este ano. A última vez em que isso ocorreu foi em 1998, com Central do Brasil, longa dirigido por Walter Salles. Em 2022, a categoria conta com produções da Itália, Noruega, Dinamarca, Butão e Japão.
O candidato italiano da categoria, A Mão de Deus, do diretor Paolo Sorrentino, parece caminhar devagar durante sua primeira hora de duração. Seguindo a história de Fabietto Schisa, jovem morador de Nápoles, o filme consegue capturar diversos tópicos, como a solidão, a família, o amor pelo futebol e pelo cinema e o luto. Apesar de demorar para começar a convencer seu público, o longa de Sorrentino tem um coração próprio, que sangra na frente do espectador, sem esconder um mínimo detalhe sequer. Diante de uma bela fotografia, performances interessantes e um roteiro digno de destaque, o que chama a atenção em A Mão de Deus é sua crueza torturante. O público é convidado a entrar na vida da família de Fabietto, e logo percebe que não existe uma porta de saída.
Julie parece ter dificuldades em encontrar quem ela realmente é. O filme que retrata sua vida, porém, sabe bem quem é e a que veio. A Pior Pessoa do Mundo, película norueguesa do diretor Joachim Trier, apresenta uma narrativa separada em doze capítulos, um prólogo e um epílogo baseados em Julie e sua busca incessante por si própria. Em meio a faculdades, carreiras e casos de amor que vem e vão, deixando vestígios que acompanham a personagem durante toda a sua vida, a protagonista tenta sobreviver em um mundo em que ninguém parece entendê-la o suficiente, nem ela mesma. O título, é claro, não poderia estar mais enganado, já que o filme apresenta uma personagem com uma crise de personalidade justificável e cabível de uma empatia tão intensa que, ao final de sua história, é impossível não sentir todas as emoções junto de Julie.
Flee (Fugir/Escape, em tradução livre), representante da Dinamarca e única animação da lista, documenta a história do amigo de Jonas Poher Rasmussen, diretor do filme. Amin Nawabi, nome fictício do personagem, é um homem gay que fugiu do Afeganistão ainda na juventude. Agora, aos 30 anos, Amin permite que Rasmussen se torne seu mais caro confidente, e o longa é construído como se fosse um desabafo, dando destaque aos momentos mais íntimos e emocionais de uma pessoa que migrou a sua vida toda em busca de força e estabilidade. Flee é delicado para o público em todas as suas dimensões: seu roteiro honesto, traços detalhistas e a paciência entre as falas quebram o estereótipo de que animações devem manter uma narrativa moldada na ficção para ser aceita. A produção, também indicada às premiações nas categorias de animação e documentário, é uma forte candidato por todas as suas características fortes e pontuais da contemporaneidade, pautando uma história real onde um homem racializado e homossexual é o protagonista.
Talvez a obra mais simples da categoria, A Felicidade das Pequenas Coisas, dirigido por Pawo Choyning Dorji, consegue conquistar em um fator que seus concorrentes não têm: delicadeza. É a primeira indicação do Butão, marcando mais uma presença asiática na categoria neste ano. Contando a história de Ugyen Dorji, professor que tem o sonho de ser cantor, A Felicidade das Pequenas Coisas parece ser um fôlego para o espectador que assistiu aos outros filmes da categoria e percebeu seus tópicos e cinematografias carregados. Apesar de acessível, consegue se sustentar com um roteiro interessante e uma realidade praticamente desconhecida pelo público ocidental. O relacionamento entre Ugyen Dorji e os alunos carrega a força emocional do longa, e é importante para que o público se mantenha interessado até o final.
Fechando a lista, temos o candidato japonês Drive my Car (no original Doraibu mai kâ) de Ryûsuke Hamaguchi, que conta como o ator viúvo Yusûke Kafufu (Hidetoshi Nishijima) enfrenta o luto ao adaptar a peça Tio Vânia, de Anton Tchekov, para o Japão na cidade de Hiroshima. A produção é a sensação estrangeira da temporada com três indicações além da de melhor filme internacional (melhor filme, diretor e roteiro adaptado). Após levar três prêmios no festival de Cannes e ser realçado em premiações do circuito de associações da crítica estadunidense, Drive my Car chega como franco favorito. O ritmo propositalmente moroso de suas 3 horas de duração aliado à mundanidade de sua trama podem afastar o espectador médio. Contudo, esse público poderá perder um trabalho primoroso de desenvolvimento de personagens em um história recheada de humanidade e empatia por aqueles cujos demônios só podem ser expurgados através do contato e da compreensão de outras pessoas. O longa possui crítica no site do Cultura Plural.
Por Lilian Magalhães, Maria Helena Denck e Yuri A.F. Marcinik