Por Cultura Plural
Uma das hipóteses sobre a persistência e atualidade das lendas urbanas deve-se ao modo como as pessoas conversam sobre personagens que não saem do imaginário coletivo, ao longo de meses, anos e décadas. Este é o caso de uma das lendas urbanas mais presentes em Ponta Grossa: o Lobisomem da Ronda. Aos próximos ou íntimos, diz-se ‘Lobi’ ou mesmo ‘lubi’.
A versão que justifica a escolha do Lubi pelo bairro da Ronda foi se legitimando na mesma proporção em que importantes serviços públicos passaram a ter como sede o entorno da municipalidade. Por lá, reza a lenda, se consegue fazer (quase) de tudo! Pagar imposto, acertar as contas com o ‘leão’, pedir o que ainda resta de aposentadoria, reclamar da gestão questionável dos serviços prestados (com ou sem resultado), criar leis como prevê a tal ‘casa’, abrir e fechar uma ‘firma’ e, claro, ou mais estratégico ao Lubi, negociar cargos, comissões, eventuais regalias e funções na gestão coletiva sem a necessidade dos disputados concursos públicos, que habitualmente enfrentam os milhares de trabalhadores que optam pela profissão de servidor. Ao Lubi, claro, dispensa-se exigências prévias, currículo ou habilidade para o exercício funcional na ‘coroa’ gestora.
O Lobisomem se tornou, lá pelas ladeiras (asfaltadas ou não) da Ronda, uma espécie de celebridade que não aparece. Ele seria um quase equivalente ao ‘popular’, imaginado pelo Luiz Fernando Veríssimo: alguém que está em todas, mas não pode ser facilmente identificado, não dá entrevista, mas sabe as respostas para as perguntas à queima-roupa da reportagem ao vivo. Não é visto, mas é sempre lembrado.
Ele, o Lubi, figura ainda como um ‘ghost writer’ da política tradicional. A cadeira que você imagina estar vazia ao lado da chefia, lá pode estar o Lubi, sentado, embaixo da mesa, circulando no teto ou batendo no copo quando algum convidado desavisado pensa que vai tomar a água que está na mesa apenas para marcar cenário fotográfico (‘água boa de beber’, cantou um poeta mineiro, que passou pelo FUC, em um Inverno destes nos Campos Gerais).
Já existe, inclusive, suspeita de que, quando um entrevistado vacila ou tenta enrolar na resposta sobre eventual ineficiência da gestão pública, na prática, estaria aguardando a resposta certeira para desnortear a reportagem, em geral, esquivando-se ou responsabilizando a imaginária oposição. A velha estratégia valeria até mesmo para um cenário de quase 20 dos 23 representantes eleitos pelo povo e que integram, em variadas proporções, a ampla base de apoio de um alcaide familiar.
Agora, tamanha assimilação funcional do Lobisomem na vida coletiva da Ronda gera interpretações desgostosas. Em uma das versões, o Lubi teria uma prática de trairagem, ratazana ou habitué da combalida infidelidade partidária eleitoral. E isso pela suspeita de que, tão logo troca o ‘dono’ das prestigiadas cadeiras giratórias, o Lubi esquece da chefia anterior e, em tempo record, demonstra familiaridade com os recém-empossados, gozando de simpatia e confiança na ‘nova aliança’ para o atraso. “Traíra”! “Bagre ensaboado”! – teria assoprado um ex-governista de plantão, ao constatar que o Lubi, oito anos depois, encostou da mesma forma no eleito.
E, por fim, uma suspeita corrente é de que o Lobisomem exerceria, nos entornos da velha ronda, um papel de ‘espírito’ obsessor, que encosta para usufruir das benesses e vantagens dos renomeados (e hipotéticos) saqueadores de plantão. Mas, esta é uma outra história, que precisa ser verificada e, se procede, futuramente apresentada com mais detalhes, sob pena de gerar incompreensões aos adeptos de emergentes crenças maço-neo-pentecostais da medievalidade contemporânea nos Campos Ge(ne)rais do Paraná.
Inegável é que na Ronda o Lobisomem parece se sentir tão em casa que, ao menos até o momento, sequer teria consultado as ofertas imobiliárias para ocupar outros bairros na Cidade.
Sérgio Luiz Gadini, professor, jornalista, pesquisador da cultura popular ao Sul do Ecuador.