Por Cultura Plural
O primeiro Sarau Inverno organizado pela Companhia Diálogos Culturais aconteceu no domingo 2/9, a partir das 18h, no bar e petiscaria Garden. Com foco na segunda fase do movimento modernista no Brasil, a fase regionalista, o evento homenageou a obra “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos (1892-1953). O sarau reuniu teatro, música, poesia com escritores locais, conversa sobre cultura, DJ e exibição do documentário* “Tocando a vida” que trata da música sertaneja de raiz em Ponta Grossa. Além de apresentações culturais, o evento proporcionou discussões sobre cultura, política e acesso à arte.
A homenagem ao autor propôs uma releitura sobre sua obra. “Sugeri que eles escrevessem uma nova narrativa, já que Graciliano trabalha com a não-linearidade”, conta o diretor teatral Zek Ramos. “Todos os textos são de Graciliano, frase por frase, palavra por palavra, mas a gente desconstruiu a narrativa dele e construiu uma nova a partir desses temas, aproveitando a proposta não-linear que ele fazia”, explica.
Cada monólogo, escrito pelos próprios atores, intercalava-se com músicas contemporâneas. “Mas a gente contextualizou [as músicas] de outro jeito para que elas conversassem com a nossa história e isso também traz uma memória mais próxima das pessoas”, afirma o diretor teatral. “Porque ‘Vidas Secas’, por mais que seja um livro conhecido, ele não é tão lido hoje em dia pela massa” justifica.
A transição de um personagem para outro era feita em cena, durante o intervalo entre os monólogos. “A preparação [da peça] se deu mais na desconstrução do personagem, a gente debateu muito em cima disso, não tanto em fala, sotaque, essas coisas, porque a gente tinha que demorar mais para se transformar”, comenta o ator e músico Guilherme Lucas Bueno. Os figurinos dos atores eram simples e de cores quentes. O ambiente intimista, que caracteriza um sarau, possibilitou interação com o público. Em alguns momentos, os atores se deslocavam em meio à plateia. Em outro, abraços foram dados nos mais próximos, durante uma cena que emocionou alguns que assistiam.
Além da música apresentada durante o teatro, houve três bandas que tocaram durante a noite, antes do encerramento com o DJ Vinicius Schultz. O cantor Geordani Castilho interpretou músicas sertanejas com convidados. A banda Amutua, formada por Camila Oliveira, Letícia Carvalho Silva e Luiz Oliveira, foi lançada no sarau cantando músicas autorais e covers. A banda MUM (Mais Uma Mulher) também se apresentou.
Intervenções literárias com leituras de poemas dos poetas Kleber Bordinhão e Lucas Walker, assim como a exibição do documentário “Tocando a vida”, ganhador de menção honrosa no 10º edital do Concurso Municipal de Videodocumentários 2018, também fizeram parte da programação do sarau. A temática do audiovisual casa com o tema do sarau, pois trata do grupo música “senhores da música” que toca canções de raiz na Concha Acústica da praça Barão do Rio Branco.
Paulo Vitor Ferreira, ourives e participante do sarau, é fã de Graciliano Ramos e elogia a iniciativa do sarau por considerá-la mais acessível à população, já que não cobra a entrada para participação, ao contrário de outros eventos que apresentam manifestações culturais semelhantes. “Eu acho que a cultura em Ponta Grossa é uma coisa que precisa ser trabalhada e dar atenção a essas peças, essas pessoas, esses artistas que estão brotando na cidade é muito importante”, avalia. “Eu estou aqui porque ainda acredito que ainda podemos ser melhores, como sociedade, amanhã do que somos hoje, através da cultura”, afirma.
Para o teatrólogo Zek Ramos, o sarau “é sobretudo um encontro filosófico para discutir com artistas ou pessoas que entendem de um determinado assunto questões de política, de sociedade, de arte e tem um caráter festivo no sentido de que as pessoas podem, além de pensar e refletir, aproveitar uma comida, uma bebida, é um pouco menos formal do que acontece dentro de um teatro, por exemplo”, explica o diretor. Ele enfatiza o caráter de troca desse tipo de evento. “Esse ajuntamento cria parcerias, laços e democraticamente dá às pessoas acesso à arte. Apesar de este ser um privilégio, não precisa ser algo distante, ela pode ser acessível”, considera.
A doutoranda Carla Roggenkamp, uma das convidadas para o sarau, discute que a humanidade das pessoas está relacionada ao acesso e consumo de produções de conhecimento humano, como a arte. “Tem muita gente que nunca vai vir aqui ou nunca vai num teatro, porque não sabe se portar, tem medo de ir lá e ser rejeitado porque não tá com a roupa certa”, afirma a doutoranda durante sua fala no evento. “Não basta levar a arte para o povo, não é isso, a gente tem que garantir que as pessoas tenham as condições de sobrevivência, que elas não precisem se preocupar se elas tem o que comer amanhã, se os filhos têm o que vestir, aí a gente pode pensar em arte”, frisa Roggenkamp ao explicar porque arte é um privilégio.
O próximo sarau será sobre a Tropicália e está previsto para o primeiro semestre do ano que vem. A ideia, conta Zek Ramos, é fazer dois saraus por ano. “O nosso objetivo é que cada sarau tenha uma temática, apresente para as pessoas o que seria aquela fase [do movimento artístico], e que a gente discuta um pouco sobre isso”, explica o diretor. A Cia. Diálogos Culturais existe desde novembro de 2017, mas foi lançada em maio deste ano. O grupo trabalha com teatro, teatro musical e oficinas pensando na arte como forma de educação e informação.