Como eu fiz para chegar aqui? Olhando nos fundos dos olhos do meu adversário, observo o mal, o ódio, a vontade dele eliminar-me de uma vez por todas. Não observo nele um pingo de compaixão e quem teria? Uma pessoa que levou a vida que eu levei, não merece se quer piedade, mas se eu cair, eu caio lutando, ou melhor, atirando, nesse duelo de vida ou morte.
Nesse momento, minha mente transcende o meu passado, lembro-me de toda a minha vida, minha infância que não foi tão querida, mas que teve seus momentos bons, como o primeiro beijo na saída da escola, mesmo sardento e baixo, tinha um encanto que foi perdendo-se através do tempo, dos vícios, sem virtudes, apenas vícios que me levaram onde estou hoje, frente à frente com meu adversário.
Observo ele movimentando suavemente a mão sobre o revólver, meus olhos fixos, prendo a respiração, minhas mãos estão trêmulas, como da primeira vez que amei, o amor, eu tinha apenas dezessete anos quando conheci o amor, talvez se os pais da mais doce mulher que conheci não tivessem me julgado incapaz, feio e pobre, minha história teria sido outra.
Fodam-se eles, foda-se o mundo eu pensei na época, como sempre eu saí quase ileso, mas não, o coração dói, a alma entristece e isso acaba com a vida de qualquer homem, uma lágrima escorre em minha face, não é medo. O mundo em que vivi depois dessa prova de sanidade, não permite-me tal luxo.
Meu coração acelera, pego meu revólver e olho para ele, um pequeno sorriso estampa meu rosto, os pensamentos voam em minha mente perturbada e sombria, hoje no meu aniversário de vinte e sete anos, travo um duelo de vida ou morte comigo mesmo, olhando-me no espelho eu o vejo, meu adversário, meu eu querendo ser liberto deste mundo que nunca me entendeu.
Trancado neste quarto de apartamento, frio e sozinho, observo a garrafa de Whisky pelo fim, um copo vazio e um prato com que sobro de cocaína, estou tão louco que não sinto nada, medo ou remorso, apenas eu e eu mesmo, com o que sobrou da minha dignidade e sanidade, da minha vida, se é que posso chamar isso de vida, vai ser um tiro, apenas um, tudo preparado, deixei tudo programado.
Saio dessa vida como entrei, sozinho e abandonado, triste e magoado, levo o revólver até a altura da boca, mas não, não se morre assim, abaixo novamente, choro, minha alma grita querendo sua liberdade, levanto a mão, dessa vez decidido, levo o revólver até o ouvido, e penso, adeus, porque sei que
jamais um homem como eu foi compreendido.
Jackson Mattos