Por Cultura Plural
Sob as tendas do circo-teatro Áurea, em 14 de janeiro de 1963, nasceu Gilberto Salgueiro, na cidade de Nova Esperança, Paraná. Esse tipo de gênero de teatro era muito comum e de muito sucesso no Brasil durante todo o século XIX. As companhias circenses se apresentavam por todos os municípios com textos teatrais de todos os tipos: dramas, comédias, encenações de Paixão de Cristo, entre outros. “Minha família veio de teatro, dai montaram um circo em 1920, sempre ligado com teatro. Antigamente, só circos grandes tinham trapézio e globo da morte”, lembra Salgueiro.
Desde pequeno, Gilberto já se pintava como palhaço, mas foi a partir dos 10 anos que começou a andar de trapézio nas apresentações. Na década de 1970, o circo de seu pai, Valter Cabral, já era o mais conhecido do Paraná. Ele conta que cada mês estudava em uma escola diferente. Se apegava aos amigos, mas tinha que partir.
Além disso, nas viagens passavam por dificuldades como temporal, inverno, estrada ruim, caminhão quebrado, sem falar no acordo com a prefeitura e em estar em dia com alvará e corpo de bombeiros. ‘’O sofrimento é viajar, mas faz parte. Desde pequeno via meu pai sofrendo na estrada e depois quem sofre é a gente, logo, nossos filhos e netos”, comenta Salgueiro.
De nômade a sedentário fixo
Apesar dessas dificuldades, o palhaço Sardinha, como também é conhecido, fala que jamais pensou em desistir dessa vida. Hoje em dia não viaja com o circo, mas também não se desligou dele, já que seus seis filhos ainda se apresentam quando outros circos passam pela cidade e ele continua trabalhando em uma pizzaria aos moldes circenses.
“Eu vim para Ponta Grossa para trabalhar na pizzaria como palhaço, desde então, eu nunca tinha tido uma casa”, relata. Alugou uma casa com três quartos que, para ele, acostumado a viver em barracas e trailers, era uma mansão. “A morada dentro do circo é ótima, mais que aquilo ali, é exagero”, complementa.
Casada com Gilberto há 33 anos, Sandra Vargas Salgueiro conta como conheceu o marido. Parece filme, mas não é: ela fugiu aos 17 anos com um circo que estava em Porto Alegre. “Eu sempre quis fugir, desde que me conheço por gente eu queria ser bailarina de circo […] O circo ia embora e eu chorava querendo ir, até que um dia eu fui junto”, conta. Depois de um ano viajando, o circo dela se encontrou com outro no caminho e aí conheceu o marido, que fazia apresentação quando ela se apaixonou. “Foi amor à primeira vista e vai ser para sempre”, conta com os olhos brilhando.
Hoje em dia, o circo está pouco valorizado. Segundo Gilberto, as pessoas gostam de circo, mas não têm mais o mesmo vínculo. Antes não tinha internet e televisão, por exemplo, e o pessoal ia para ver a luz, porque em algumas cidades, nem luz tinha. Ele também acredita que para fazer seu personagem (palhaço) requer uma coisa: dom. “Às vezes, o Gilberto está meio triste, mas é só se transformar em palhaço Sardinha que tudo muda”, relata ao lembrar quando sua mãe faleceu e no outro dia já tinha que trabalhar e estar feliz.
“Não tem como não gostar dele”
Um dos seus filhos, Jonatthan, diz o quanto seu pai é protetor e atencioso. “Uma vez fui atropelado e meu pai me socorreu rapidamente parando um carro que passava para me levar para o hospital”, relata. Além disso, ele diz que seu pai é seu maior orgulho.
Outras pessoas que não são da família também admiram muito Gilberto. Fátima Carneiro trabalha no caixa da pizzaria onde Gilberto atua e o conhece há 11 anos. “Ele é a pessoa que vale por todos aqui, é muito eficiente […] Admiro muito essa força que ele tem, de trabalhar para dar uma vida de conforto para a família dele”, enfatiza.
Em Ponta Grossa, o circo de São Paulo, o Medrano, está realizando apresentações. Esse circo foi o que Sandra fugiu aos 17 anos. Mostrando familiaridade com as tecnologias, Salgueiro assiste ao espetáculo, tira fotos e conversa com seus amigos de circo. Quem o conhece, percebe o quanto a vida circense é motivo de orgulho para ele. “Ninguém tira de nós a harmonia, a alegria e a paz que o circo traz”, afirma.
Ele também fala que, se perguntarmos às pessoas que trabalham no circo se querem largar essa vida e ter todo conforto na cidade, uma casa fixa, um salário bom, a resposta vai ser não. “Nos contentamos com o mínimo”, diz.
Gilberto se mostra muito emocionado toda vez que a palavra ‘familía’ é tocada. Fala que seus filhos são diferentes um do outro, das qualidades, o qual tem mais jeito de palhaço também. Um deles sempre está viajando pelo mundo. “Toda vez que dá 22h, sei que ele vai entrar no globo da morte, começo a orar para que tudo dê certo”, enfatiza.
Além da vida mágica
Outra curiosidade é que Salgueiro também é costureiro. É ele que cria todas as roupas que seus filhos usam no circo, além dos cenários. Seu pai também costura, de tanto olhar, um dia resolveu tentar e hoje em dia, passa o dia costurando. “Às vezes nem almoço, o tempo passa, é curto demais quando estamos fazendo algo que a gente gosta”, completa. Aproveita que tem alguns dos filhos em casa, acorda cedo, joga o tecido no chão e pensa no que criar, faz e já pede para experimentarem: “às vezes não fica do jeito que a gente quer quando mandamos na costureira, então prefiro fazer”.
Já seu personagem, o palhaço Sardinha, é aos moldes tradicionais. “Procuro manter o palhaço de antigamente, sem palavrões, com brincadeiras e na inocência”. Quem quiser conhecê-lo, é só ir ao Circo da Pizza*, aos finais de semana. A colega de trabalho, Fátima, ainda conta que muitas vezes as família chegam no meio da semana querendo saber onde está o palhaço. “Quando falo que ele não está, as famílias vão embora e só voltam ao fim de semana”, conta sorrindo, reconhecendo que ele é a atração da casa.
É nessa vida simples e alegre que Gilberto Salgueiro, de 51 anos, cresceu. Todos os dias, novas histórias são feitas. Todos os dias ele percorre caminhos com uma única meta: ter uma vida feliz e digna ao lado das pessoas que ele ama.
O Circo da Pizza fica localizado na Rua Júlio de Castilhos, 963, no Centro de Ponta Grossa.
Reportagem de Mariele Morski