Por Cultura Plural
Por Dimitri de Souza
No início do filme, vemos rostos em preto e branco de homens e mulheres em aparente sofrimento. Com cortes secos, imagens dos rostos com diferentes feições sobrepostas e uma câmera estática olhando diretamente para essas pessoas, o diretor consegue estabelecer uma problemática que percorre até o final da película: a reconciliação com nossos traumas para um futuro melhor. Muitos diretores com o passar das décadas experimentaram com essa ideia; M, O Vampiro de Dusseldorf (1931) de Fritz Lang talvez seja o melhor exemplo, entretanto Magnus von Horn parece fazer jus com sua obra dinamarquesa, indicada à categoria de Melhor Filme Internacional na edição do Oscar.
Inspirado em um caso real, o filme acompanha a história de uma jovem, chamada Karoline (Vic Carmen Sonne), grávida e recém-desempregada que luta para sobreviver em Copenhague após a Primeira Guerra Mundial depois da morte de seu marido. Ela é acolhida por uma mulher carismática conhecida como Dagmar (Trine Dyrholm) para ajudar a comandar uma agência de adoção clandestina. As duas formam um vínculo inesperado, até que uma descoberta repentina muda tudo.
Ainda que existam outras interpretações desse prólogo, não dá pra negar as camadas feitas pelo diretor com essa obra em reviver os traumas da Dinamarca no período pós 1ª Guerra Mundial e o uso do preto e branco ajuda a expor a dicotomia naquele momento. A ideia de dor após um momento de abalo material e emocional, aliada com um embelezamento que a escolha visual traz através do trabalho de decupagem dos cenários de cada cena realça muito bem o detalhe daqueles locais, desde a ruas de Copenhague até o apartamento das protagonistas.
A lenta progressão da narrativa agrega ainda mais para a proposta do diretor que quer representar esse povo ainda em muita dor, mas desejando um futuro melhor para eles e as gerações que ainda virão. A maneira como von Horn decide trabalhar a história também reflete bem as oscilações emocionais drásticas à época. Após um começo trágico da personagem Karoline, Dagmar lhe dá esse conforto, o sentimento de pertencimento que ela tanto precisava naquele momento.
O diretor parece se deleitar nas mudanças drásticas que existem com o passar da obra, nos descobrimentos, viradas de trama e, principalmente, com o choque de pensar que aquele país ainda está muito distante de onde deseja. Além da fotografia, é aí que o filme se aproxima de seus antecessores que abordaram o mesmo tema. Até mesmo seu título pode ser interpretado com a dualidade citada anteriormente.
A Garota da Agulha parece fazer uma boa dupla com seu companheiro brasileiro de categoria Ainda Estou Aqui, pelo fato de ambos os filmes carregarem as dores de tempos passados e o questionamento se um dia conseguirão se recuperar. Tudo representado naquela realidade parece levar o efeito do pós guerra, onde os traumas estão ficando para trás, porém a reconstrução pena para chegar até eles. O sofrimento diminui, mas nunca dá lugar à esperança. Isso, inclusive, existe na conclusão do filme, em que o diretor escolhe um final ambíguo que, assim como tudo feito durante a projeção, ajuda a manter e, ironicamente, amarrar o que foi mostrado e discutido até aquele momento. Afinal de contas, o que seria um final feliz naquela realidade?