Por Cultura Plural
Foto: Rafaela RothsteinTrajetória de 57 anos de atuação da atriz no teatro une o íntimo com o essencial
Por: Lorena Rocha e Rafaela Rothstein
Denise Stoklos (natural de Irati, no Paraná) é atriz, diretora, dramaturga e uma das principais criadoras do teatro físico brasileiro. Formada na UFPR e na PUC-PR, construiu carreira entre Brasil, Europa e Estados Unidos, desenvolvendo um estilo próprio que viria a chamar de “Teatro Essencial”, centrado no corpo, na voz e na articulação entre pensamento crítico e presença cênica.
Em 1987, a artista Denise Stoklos criou Mary Stuart no La Mama, em Nova York, espetáculo que se tornou decisivo para sua projeção internacional. Desde então, a obra circulou por diferentes países, em múltiplos idiomas, reafirmando a capacidade da artista de adaptar sua linguagem a diversos contextos culturais. No Brasil, Mary Stuart teve temporadas esporádicas ao longo dos anos 1990 e 2000, recebendo críticas elogiosas pela precisão técnica, teatralidade, economia de elementos e a força política da interpretação.
Nesta terça-feira (11), o palco B do Cine Teatro Ópera recebe Denise Stoklos estrelando Mary Stuart no Fenata pela primeira vez após 38 anos de criação. Acompanhe a entrevista exclusiva ao Cultura Plural.

Lorena Rocha: Você criou Mary Stuart em 1987, já faz 38 anos, num contexto político e cultural completamente diferente do atual. O que a peça revela hoje, em 2025, que talvez não fosse tão evidente naquela época?
Denise Stoklos: Olha, bela pergunta. Eu acredito que o tema fundamental, que é por que as duas rainhas estão buscando a mesma coroa, então há uma luta pelo poder, isso continua. Só que o que está mais claro para a plateia e para todos nós é que essa luta pelo poder acontece em diversas áreas, em diversas situações, não só nos lugares governamentais, mas nas famílias, nas relações amorosas, até nas relações de casal, nas relações de amizade. Então, é uma percepção que cada vez mais a gente está vendo, a humanidade está sempre em busca de poder resolver e estar em comunhão com o encontro e não com a separação, não com quem é melhor e quem pode mandar mais, e sim nessa democrática visão de encontro.
LR: Sua trajetória nasceu dentro das universidades, você fez a UFPR e a PUC, e agora retorna ao Fenata, que é um festival universitário. Como você vê hoje a relação entre a universidade e a produção teatral no Brasil?
DS: Importantíssima, porque para mim foi fundamental. Graças às questões que se levantavam na universidade que eu escrevi a minha primeira peça. Foi com aquilo que eu via sendo agitado pelos estudantes que eu percebi. Ah, isso são temas que interessam aos meus contemporâneos discutir, pensar, então vamos falar sobre isso. E foi assim que eu escrevi Círculo na Lua, Lama na Rua, em 1968, e estreei no teatro com isso, por causa do ambiente universitário. Acho que é um lugar onde tudo fica pipocando e onde a gente pode refletir sobre coisas, as pessoas dão diversos enfoques e todo mundo está interessado em mudar as coisas, em fazer melhor, em fazer diferente, em renovar. E isso é o que importa também na vida da gente, a renovação, o fazer de novo, melhor e bem.
LR: E durante toda essa inovação, essa efervescência que você viveu na sua carreira, durante quase quatro décadas convivendo com Mary Stuart, o que você descobriu sobre essa personagem histórica e o que ela ensinou sobre você mesma?
DS: Legal também essa pergunta, vocês são ótimas! Me ensina muito que esse caminho não adianta, é um caminho que não tem sentido nenhum, esse caminho de disputa, esse caminho de luta pelo poder de fazer alguma coisa. O mais importante de tudo é sempre o diálogo, a troca, a possibilidade de interação de ideias. Isso é que torna a gente mais forte, mais unido e mais verdadeiro. Isso ela me ensinou.
LR: Como fundadora do conceito de Teatro Essencial, como ele dialoga com a cena contemporânea?
DS: Acho que está muito próprio, apesar de termos espetáculos cheios de efeitos e que são lindos também, eu acho que todo teatro é válido quando há uma vontade de se fazer para o público. O legal é que o Teatro Essencial faz um retorno àquilo que é mais possível de ser feito sem nenhum recurso, que está ao acesso de qualquer um. Qualquer um pode fazer dentro de casa, na sua salinha, chamar seus amigos, chamar seus parentes e fazer aquilo que acha que pode transmitir. Reencontra algo que lhe tocou emocionalmente. Isso é teatro. Então, a proposta do Teatro Essencial hoje cabe muito bem porque não precisamos depender de recursos para poder fazê-lo.
LR: Significa transformar o que é mais íntimo dentro de você?
DS: Isso! Ter no outro, no público, a si mesmo. Encontrar, como diz o Hélio Pellegrino, o outro ‘sou eu’. Se eu consigo viver no outro, a total gratuidade da sua existência, eu aceito a minha gratuidade e ganho com isso o entusiasmo, que ele diz que em grego quer dizer ‘Deus comigo’, e assim há força para lutar.
LR: Como suas origens no interior, aqui no Paraná, e a sua formação entre jornalismo e ciências sociais influenciaram na sua visão de mundo e na artista que você se tornou?
DS: O jornalismo foi muito importante para a [minha] comunicação. Eu queria comunicar, tem um trecho grande meu, num livro, onde eu falo da minha primeira impressão de jornalismo, do jornal luminoso que passava nos prédios de Curitiba contando as notícias, e aquela coisa bonita da luz, da notícia, que me fez pensar sempre que aquilo me levava para cima, fazia eu levantar a minha cabeça e que me fazia ter um juramento de sempre honrar a notícia que eu leve, e que essa notícia seja sempre a favor da liberdade de todos, e nunca notícias de banalidade ou vulgaridade.
LR: Depois de tantos anos de criação contínua, o que ainda te move a voltar ao palco, recriar obras antigas e produzir trabalhos que dialoguem com temas contemporâneos?
DS: É a vontade de que o meu ser possa contribuir ao outro ser, de também encontrar-se, como é o encontro dentro do palco comigo mesma, que cada um na plateia se encontre consigo mesmo e saia do teatro com mais vitalidade a respeito das dúvidas com que entrou e consiga resolvê-las com mais energia e com mais fé em si mesmo.

