A dinâmica, dentro do contexto musical, contempla marcações existentes na partitura e também na regência do maestro, que dão vida à música e não a deixa cair na monotonia, através da modulação de intensidades. O filme Maestro (2023), dirigido por Bradley Cooper, indicado ao Oscar de Melhor Filme, é uma linda partitura, mas que perde seu potencial deixando a dinâmica de lado ao passar duas horas beirando o monótono.
“Se o verão já não canta em você, nada canta em você, e se nada canta em você não há como fazer música”. A fala do filme pertence à Felicia Montealegre (Carey Mulligan), esposa de Leonard Bernstein (Bradley Cooper). O longa aborda, em sua maior parte, o relacionamento entre os dois artistas e os dilemas de uma homossexualidade escondida por parte do regente ao longo da sua vida.
Junto de Bradley Cooper (Nasce uma Estrela), a produção conta com nomes como Steven Spielberg (Os Fabelmans) e Martin Scorsese (Assassino da Lua das Flores). A história é uma biografia do compositor, músico e pianista Leonard Bernstein, que se torna maestro em 1943, quando substitui de última hora Bruno Walter e então rege a Orquestra Filarmônica de Nova York. Leonard se consagrou nos musicais, sendo o responsável por composições na peça West Side Story e Peter Pan.
Apesar de levar o nome Maestro, é a vida pessoal de Bernstein que se torna o cerne da narrativa, tão pouco sua carreira funciona como um pano de fundo para contar sobre a relação com a esposa, amantes, filhos, e só então, a música. A história começa com um Leonard já mais velho que começa a relembrar, e contar para uma terceira pessoa, sobre sua juventude e como conheceu a atriz Felicia Montealegre. A caracterização do personagem é algo a se destacar, visto que ao longo do filme 137 próteses foram produzidas pelo especialista em efeitos de maquiagem, Kazu Hiro, para envelhecer a aparência de Bradley Cooper ao longo dos 40 anos de vida retratados no filme.
O roteiro evidencia que de fato existe um forte amor entre Felicia e Leonard, porém não do tipo que se sustenta um casamento, uma vez que o músico era homossexual e mantém vários relacionamentos extra-conjugais, o que acaba corroendo a relação do casal aos poucos, mesmo a atriz já sabendo disso ao se casar.
O livro As cartas de Leonard Bernstein traz evidências desse fato, escritas pela esposa e reunidas em livro por Nigel Simeone. Passagens como “você é um homossexual e possivelmente isso nunca vai mudar. Você não admite a possibilidade de uma vida dupla, mas se a sua paz de espírito, a sua saúde, todo o seu sistema nervoso dependem de um certo padrão sexual, o que você pode fazer?” e “Estou disposta a aceitá-lo como você é, sem ser mártir” evidenciam a compreensão por parte de Felicia.
A sexualidade do regente em si, contudo, também não é explorada de forma tão profunda no filme, em praticamente nenhum momento isso sai do superficial. O momento que corrompe o casamento deles, no entanto, é quando Bernstein abandona a esposa quando ela é diagnosticada com câncer, deixando de apoiar a pessoa que tanto o apoiou durante toda a vida. A história retrata que antes da morte da atriz, em 1978, o casal se reconcilia, e o filme finaliza com ele respondendo à frase sempre dita por Felicia: “mas o verão ainda canta”.
Uma das maiores dificuldades ao se interpretar um protagonista em uma biografia é ter uma série de materiais ao que sua atuação pode ser comparado, assim como foi com Austin Butler em Elvis e Andrew Garfield em Tick Tick…Boom!. Bradley Cooper tem um desempenho notável nas cenas de regência, colocando na tela toda energia que Leonard tinha à frente de uma orquestra, mas, mesmo seguindo trejeitos, essa atuação fica apagada ao não aproveitar a complexidade do personagem nas cenas fora dos palcos
É a atuação de Carey Mulligan que se destaca, ao passar toda carga emocional e sensibilidade de Felicia, assim como do papel que desempenha como mulher e mãe, tendo uma das cenas de maior peso aquela em que briga com o marido durante um feriado e mostra a moderada mulher finalmente se estrondando frente às atitudes de Leonard.
Maestro é um filme tecnicamente bem construído, mas que se apega tanto em ser meticuloso que não abre espaço para as oscilações e complexidades que envolvem o ser humano. Se prende muito a seguir uma partitura, mas a vendo só como uma sequência dura de notas, o que acaba se opondo ao próprio legado de Leonard Bernstein.