Por Cultura Plural
Por Victor Schinato
O filme “Vermelho, Branco e Sangue Azul” chegou à Amazon Prime Video no dia 11 de agosto. A adaptação da obra de Casey McQuinston é aguardada ansiosamente pelos fãs do livro da editora Seguinte desde seu anúncio em 2019. Em meio a muitas obras desastrosas provenientes de livros, como é o caso do recente “Birdbox: Barcelona” e do traumatizante “Lar das Crianças Peculiares”, debates e muitas expectativas foram criadas acerca da adaptação de um dos romances LGBTQIAPN+ mais marcantes dos últimos tempos.
Tanto no livro, quanto no filme, o filho da presidenta dos Estados Unidos se envolve em um acidente diplomático com o príncipe da Inglaterra durante o casamento real. O evento desastroso revive a rivalidade entre os dois personagens, e suas personalidades contrastantes são postas à prova quando precisam fingir simpatia diante das câmeras. A falsa amizade se torna genuína, e ao longo dos meses a promessa de um amor arrebatador surge entre Alex Claremont-Diaz e Príncipe Henry. Durante a descoberta desse sentimento, os protagonistas se encontram em problemas quanto à sexualidade, política, família e diversos outros assuntos abordados na obra adolescente.
Tal premissa é perfeitamente conduzida por uma montagem moderna, divertida e descolada. A fotografia não inventa a roda, mas traz tendências dos últimos anos à fórmula de romances dos anos 2000. O destaque é, sem dúvidas, a maneira inventiva que o roteiro arranja para tornar dinâmica das mensagens e conversas por celular, tão presente na história original. Seja por inserções gráficas ou a presença imaginária do destinatário, tudo contribui para que o filme flua de maneira coesa e agradável.
O filme quebrou recordes na plataforma de streaming (Foto: reprodução)
Taylor Zakhar Perez, conhecido pelo seu papel no filme “Barraca do Beijo”, finalmente tem os holofotes para si e se diverte no papel. O ator, com expressões caricatas e jeito canastrão, é feito sob medida para o papel do filho da presidenta dos Estados Unidos, com todos os trejeitos de um aspirante a político e charme de galã de redes sociais. No constrangimento de um jovem adulto descobrindo sua sexualidade e sentimentos por um homem, que, por acaso, é o príncipe da Inglaterra, Taylor é eficiente em convencer o público de seu personagem, apesar de seus exageros.
Nicholas Galitzine já é um rostinho conhecido nos filmes de romance, e não é por menos. Seu personagem sofre em seu desenvolvimento ao longo do enredo por conta de um roteiro raso, e mesmo assim a performance do ator é capaz de sustentar uma verdade cênica admirável. O ator foi capaz de trazer diversas nuances que dizem muito sobre os dilemas pessoais de Henry, a partir de olhares e citações breves em linhas sem gravidade do roteiro.
A química dos dois atores principais enquanto inimigos é ácida e instiga o espectador a querer saber mais do suposto ódio que nutre a relação. Quando a amizade começa a surgir, os dois convencem e são capazes de fazer qualquer um desejar um confidente para direcionar as mensagens sarcásticas e desabafos sobre a família. Quando surge a paixão, ambos atores parecem tímidos no contato físico inicial, mas são capazes de desempenhar um bom papel de parceiros sexuais. No amor, é certo que todos vão simpatizar com a relação do primeiro-filho com o príncipe e torcer pelo bem do casal, devido a toda vulnerabilidade e compaixão que os atores colocam em seus personagens.
O restante do elenco cumpre bem sua função, e ainda é capaz de brilhar da sua própria maneira. Uma Thurman brinca como nunca no papel de Ellen Claremont, a mãe de Alex, e compõe uma figura decidida, humorada e intimidadora que não deixa dúvidas de que seria a vencedora de uma eleição presidencial. Sarah Shahi é outra força da natureza como Zahra, a assistente da presidenta e frequente babá de Alex. A atriz traz um elemento rígido e totalmente crível enquanto figura totalmente envolta nos problemas políticos decorrentes das confusões da família presidencial, e diverte ao gritar com o primeiro-filho como se fosse um pirralho de doze anos. Outro destaque a ser levantado é Rachel Hilson, que convence enquanto Nora Holleran, melhor amiga de Alex, por mais que seu papel represente uma grande questão polêmica do filme.
Incidente com o bolo do casamento real é o conflito que dá início na trama (Foto: reprodução)
A premissa do livro, apesar de extremamente clichê e distante do lugar comum de qualquer leitor, é cativante e brilha ao se ancorar no carisma de seus personagens. O mesmo se aplica ao filme, porém com ressalvas. Assim como toda e qualquer adaptação, a obra cinematográfica trouxe alterações em relação à história original, e tais alterações são o calcanhar de Aquiles da obra. As mudanças são inevitáveis, e não alteram a alma da história, mas fazem com que ela seja vista por outros olhos.
Cenas pontuais, como a do peru ou a dos Cornettos, foram retiradas ou reduzidas e podem fazer falta aos fãs mais apaixonados da história, mas ainda assim o filme vive sem elas. No entanto, a abordagem do roteiro pode deixar a desejar, principalmente quanto a diminuição da política, em detrimento ao romance. Enquanto no livro toda a campanha para a reeleição de Ellen é detalhada e encabeça boa parte do segundo e terceiro ato, no filme se passa apenas como o plano de fundo das interações entre Alex e Henry. A aspiração a política de Alex e todo seu trabalho na campanha do Texas é reduzida a uma simples apostila citada durante discussões, o que causa um empobrecimento significativo no crescimento do personagem ao longo da trama.
Toda a situação psicológica de Henry também é diminuída, o que é verdadeiramente triste em um panorama geral da história. Apesar de citada, e ser motivadora de um conflito da trama, todo o desenvolvimento acerca da psique do príncipe da Inglaterra é uma peça que faz falta no quebra-cabeça que o diretor Matthew Lopez tenta montar.
O antagonista da trama também se mostra uma questão a ser posta em pauta. Enquanto no livro a homofobia sistêmica na política internacional e nas eleições se coloca como a real vilã, encarnada em um político corrupto conservador, o filme transforma tudo em um simples repórter com dificuldades em aceitar a rejeição, sem um real desenvolvimento dessa questão.
Ao encarar “Vermelho, Branco e Sangue Azul” como um filme individual de sua contraparte literária, a película brilha e rende ótimos momentos de diversão. Talvez, seja melhor o analisar enquanto releitura, com alterações e referências à obra original, do que como adaptação. O filme é capaz de entreter em toda a sua duração, com bom fluxo de informações e ótima dinâmica entre atores. Apesar de seguir convenções do gênero presentes no cinema desde os anos 2000, o filme traz uma boa representatividade e finalmente pode fazer com que pessoas LGBTQIAPN+ se imaginem num romance clichê de Sessão da Tarde.
O filme é a estreia de Matthew Lopez na direção de longa metragens (Foto: reprodução)