Ainda que a sequência de casting de modelos masculinos que abre o mais recente trabalho do diretor sueco Ruben Ostlund – ganhadora da Palma de Ouro em Cannes (2022) – seja interessante por apresentar a dinâmica de significação atrelada à exploração de corpos pela publicidade de grandes marcas do mundo fashion, ela engana na forte primeira impressão que dá ao filme.
A cena que realmente resume essa meditação acomodada e enfadada sobre a luta de classes – e o inevitável apocalipse promovido pela elite econômica mundial – é a seguinte: temos um grande e conceitual desfile onde o personagem Carl (Harris Dickinson) é alocado para as cadeiras mais ao fundo e vê modelos desfilando com a logo “a moda agora é o cinismo mascarado de otimismo” de forma estática e prolongada em demasia.
O que poderia ser um comentário pungente sobre a naturalização da exploração acaba por ser uma sinopse – talvez até um sinal de alerta para o espectador se retirar enquanto pode – de uma obra autocongratulatória que se contenta em expor o que é senso comum. E que demora um tempo absurdo de 2h30 para fazê-lo às custas da paciência do espectador.
O longa conta a história dos passageiros de um iate comandado pelo alcoólatra capitão Thomas (Woody Harrelson) e tem a equipe subordinada aos caprichos de oligarcas russos. O resultado é um par de venturas que colocam a dinâmica social do local em cheque.
O mais frustrante do longa de Ostlund é como direção e roteiro se aliam para criar uma experiência tediosa que sabota qualquer valor de suas aspirações. De um lado, o script faz questão de manter todos os personagens rasos em diálogos e ações pobres ou estereotipadas. O que garante que ninguém – com exceção do capitão e da camareira Abigail (Dolly De Leon) – seja minimante interessante. Não há um ponto de vista definido na obra, uma bussola moral para nortear o público ou alguém para ser minimamente o macguffin da trama anêmica.
Por ironia, no mesmo ano foi lançado O Menu (2022), onde tínhamos um cenário, tom e temas semelhantes, mas que permitia que o público se importasse ao centrar a personagem Margot (Annya Taylor-Joy) como nosso avatar no exótico e fanático mundo da alta culinária.
O segundo ato do roteiro esboça uma mudança quando se concentra na figura do capitão: Um adicto do álcool cínico e ciente das próprias hipocrisias e privilégios que duela ideologicamente com o magnata dos fertilizantes russo Dimitry (Zlato Buric) enquanto a tripulação é acometida por uma virose e o navio perde totalmente seu eixo de flutuação.
Thomas é o mais próximo que temos de um ponto de vista sincero no filme; e, por sua influência caótica criar um certo senso de perigo e suspense para a comédia, há junto dela uma esperança de que o filme deslanche divertidamente em sua descida ao absurdo. Infelizmente, o clímax do segundo ato reseta tudo e voltamos à fatiga de outrora.
Por outro lado, a direção, ancorada em planos médios repetitivos, estáticos e que se inibe de cortar cenas redundantes, complementa o pacote do tédio. É como se Ostlund quisesse emular o estilo seco dos Irmãos Coen e achasse que a distância física – portanto semioticamente ideológica também – das lentes bastasse. Ora, até mesmo os Coen, em toda a sua misantropia na forma de retratar o ser humano, sabem que a história – e suas interseções discursivas – ainda depende que o púbico se conecte minimante com os personagens através do estabelecimento de seus valores, objetivos e do que são capazes de fazer para alcança-los. Tudo através da linguagem cinematográfica que abrange planos abertos, médios e – algo decerto obsceno para Ostlund – close-ups para registrar suas reações, ímpetos e, quem diria, humanidade.
O fato do cineasta sueco assinar tanto roteiro quanto direção – e pior, ser indicado nas duas categorias no Óscar 2023 quando haviam nomes como Joseph Kosinsky, Sarah Polley e Charlotte Wells com competências muito mais evidentes – deixa tudo mais compreensível no resultado final, ainda que mais revoltante por denotar o quanto o votante médio da academia é tosco em sua percepção de temas sensíveis da atualidade.
Talvez aqui, na verdade, o grande objetivo não seja satirizar a vida da elite, e sim as expectativas do público acomodado e autocongratulatório que prestigia as sátiras padrão da luta de classes – uma piada metalinguística que deve ter arrancado urros eufóricos de “genialidade” na mesa do júri de Cannes, festival que frequentemente favorece discursos no lugar da eficácia na construção estético-narrativa.
Tal subgênero parece ter criado um despertar entre a imprensa e elite intelectual sobre os problemas da desigualdade após o efeito sensação de Parasita (2019). Mas em comparação com o triunfo narrativo-temático de Boong Jung Ho, Triangulo da Tristeza soa como o Green Book (2018) deste ano no Oscar após 12 Anos de Escravidão (2013) e Moonlight (2016) terem sido prestigiados na categoria principal; se trocarmos o tema do racismo pela desigualdade. É uma obra rasa nos comentários, acomodada em apontar cinicamente o óbvio, medíocre em sua execução e que só fica mais embaraçosa – para si e para quem a prestigia – quando posta ao lado de expoentes mais sagazes.