Por Joyce Clara
Carpe diem quam minimum credula postero: a frase em latim, criada pelo poeta Horácio durante a decadência do Império Romano, significa “aproveita o dia e confia o mínimo possível no amanhã”. Essa é a lição que o Gato de Botas aprende em seu novo filme, após 1h40 fugindo dos assobios do Lobo Mau: o aviso prévio que sua nona, e última vida, pode estar chegando ao fim. A partir disso ele percebe que flertar com o perigo e apostar todas as fichas na próxima vida não é mais um caminho a seguir.
O Gato de Botas é introduzido ao público pela primeira vez em Shrek 2 (2004), já com a postura de espadachim debochado, que consegue tudo que quer apenas com um olhar. Já em 2011, quando o personagem ganha seu próprio filme, é possível conhecer mais da história e das fragilidades do felino. Dirigido por Joel Crawford e com roteiro de Tom Wheeler, Gato de Botas 2: O Último Pedido explora ainda mais essa vulnerabilidade.
Após uma aventura, o Gato de Botas acorda e é apresentado ao fato de que aquela é a sua última vida. Desanimado, ele vai até um bar e se consola com um copo de leite, porém é surpreendido por uma figura sentada ao seu lado, o Lobo Mau – figura que representa a morte no longa. Em uma tentativa falha de luta, o bichano consegue fugir, perdendo a sua espada e ganhando uma nova sensação: o medo.
Aposentando as botas – em uma cena dramática à altura do personagem, em que ele faz um velório para elas e para seu antigo eu – e vivendo como um gato comum, os dias do herói passam a ser dividir comida, camas e até mesmo o banheiro com outros gatos, na casa monótona de uma senhora. Nesse momento um novo personagem, que se tornará essencial para o enredo, é revelado: um simpático e fiel cachorro, que foi abandonado, mas permanece otimista, e agora se passa por um gato usando meias nas orelhas para garantir o mínimo para sua sobrevivência.
A convivência desses dois personagens se assemelha muito com a do Shrek e do Burro, uma relação inicialmente forçada por uma das partes, entre um ranzinza e um ingênuo. E como acontece no outro filme da DreamWorks, aqui também é construído com o tempo um vínculo entre eles, com um carinho recíproco.
Uma esperança surge quando o Gato – agora novamente de botas – descobre, através da Cachinhos Dourados e os Três Ursos, a existência de um mapa para a Estrela dos Desejos, que poderia restaurar as suas nove vidas. O problema é que ele não é o único interessado e deve competir pelo desejo com a própria Cachinhos Dourados, com o Joãozão Trombeta e com sua antiga parceira, Kitty Pata Mansa.
Foto: Reprodução
Nas cenas de ação na competição pelo desejo, que se sucedem dentro da Floresta Negra, o medo dentro do Gato de Botas vai se tornando cada vez mais forte, atingindo seu ápice quando ele corre desesperadamente pela floresta durante um ataque de pânico, suavizado quando o cachorro o encontra e o acalma. Um acontecimento do filme que alcança muito mais a compreensão dos adultos que estão nas poltronas dos cinemas.
O conceito de vilão neste filme é muito subjetivo, há quem diga que é a Cachinhos Dourados, outros que se trata do Joãozão Trombeta e, naturalmente, os que defendem que o Lobo Mau ocupa essa posição. Todas essas perspectivas podem ser consideradas, mas é necessário adicionar mais uma: o próprio Gato de Botas.
O egocentrismo do personagem é mostrado principalmente na sua relação com Kitty Pata Mansa. “É impossível eu lutar contra o seu maior amor, você mesmo”. Ela ainda relata que seu maior desejo, aquele que ela pediria à Estrela, era ter alguém junto em que pudesse confiar, e que ela tinha achado que havia encontrado isso nele, mas se decepcionou.
O crescimento do Gato de Botas, que é construído em camadas durante o filme, se consolida durante sua segunda luta direta com o Lobo Mau. Ele finalmente compreende que não precisa de mais nove vidas e não precisa mais viver em risco constante, e quando percebe isso, a morte o deixa ir. Em uma cena carregada de emoção, o Gato de Botas se junta com a Kitty Pata Mansa e o cachorro, agora oficialmente nomeado como El Perrito, pois o herói fanfarrão agora entende que “quando só se tem uma vida, isso a torna especial”.
A animação
Abraçando uma animação 3D com frames de desenhos bidimensionais feitos à mão tradicionalmente, o novo Gato de Botas amadurece visualmente, trazendo cores vibrantes, ângulos diversos e muitos detalhes, desde cada pelo do felino até a construção dos cenários. As expressões muito bem produzidas permitem que o público compreenda o que os personagens estão sentindo, antes mesmo do início de um diálogo.
Destaca-se a combinação de cenas do Gato com movimentos e ações características do animal com as de sua versão personificada. A escolha de como apresentar a Cachinhos Dourados também merece ênfase, ao fugir das representações comuns vistas nas inúmeras versões do conto.
Da mesma forma, o filme inova na personificação da morte na figura do Lobo Mau, dando a ele o aspecto sombrio necessário à sua função no filme, enquanto aperfeiçoa sua anatomia, criando uma aparência que condiz com a intersecção entre o animal e o conceito de morte.
Foto: Reprodução