Por Cultura Plural
Por Victor Gabriel Schinato
Um mal contagioso personificado por uma entidade misteriosa que leva todas as suas vítimas à morte. Essa é a fórmula de diversos filmes na nova geração do terror, como “Verdade ou desafio”, “A corrente do mal”, “A hora de sua morte” e até mesmo o aclamado “O Chamado”. Mais um filme nesta leva foi lançado: “Sorria”.
Durante todo o filme, o roteiro não promete muito, mas também não decepciona. Assim como seus irmãos, a obra é um bom entretenimento por duas horas, e pode provocar reflexões em sua duração, mas a impressão que fica é irrisória e provavelmente não resistirá ao tempo. O clássico terror de shopping center, com boas cenas tensas, jump scares com acordes altos na trilha sonora e a promessa de conquistar bons fãs em sua duração.
Todo o enredo paralelo à metáfora da descrença em relação ao que pessoas com problemas de saúde mental falam é carregado de símbolos e mensagens que tentam passar por ocultas. As figuras de linguagem servem bem ao filme, trazendo drama que quase torna a obra um thriller psicológico, se não fossem suas investidas no terror às claras.
A cena em que a protagonista precisa esconder seus pulsos feridos não é desconhecida, por mais que na realidade seja advinda de outros demônios que habitam a mente humana. Outros paralelos com a vida de pessoas com doenças mentais são perceptíveis ao longo de todo o filme, tornando a obra uma rima da vida daqueles que lutam contra traumas e problemas psicológicos.
O terror gráfico funciona bem, sendo capaz de fazer o espectador se torcer na cadeira. Em muito o filme se beneficiaria de mais violência; devido ao tema sensível, a classificação indicativa já é alta, e uma boa dose de sangue poderia tornar mais real a ameaça da narrativa.
Foto: Divulgação.
O elenco trabalha bem com o básico que o roteiro ofertou. Sem muito aprofundamento, os atores fazem seu melhor para dar tridimensionalidade aos personagens, e conseguem. O olhar maníaco de Caitlin Stasey, que interpreta a paciente suicida da protagonista, é amedrontador e constrói muito da identidade visual da obra. Sosie Bacon brilha em seu olhar de desespero, com uma instabilidade crescente ao longo do filme, passando a perfeita impressão de que a personagem está prestes a transbordar em gritos e lágrimas.
No entanto, é notável que algumas peças são desnecessárias e não passam de arquétipos básicos que deixam o filme com sabor insosso. Tanto o marido quanto a irmã da protagonista, interpretados por Jessie Usher e Gillian Zinser, são pontas soltas que mereciam mais atenção do roteiro, mas foram deixados de lado e se tornaram apenas aborrecidos.
A investigação subestima o intelecto do espectador, que já entendeu todo o conflito nas primeiras pistas, mas o carisma cenográfico de Sosie Bacon, que interpreta a protagonista Rose Cotter, sustenta a atenção por tempo o bastante para que a história volte a andar.
O filme anda bem até seu último ato, quando abre mão do suspense e da tensão, focando totalmente no terror sobrenatural. Em seu orçamento limitado, o filme funciona bem com seus efeitos especiais, práticos e digitais, até o momento em que dá uma forma física ao mal que assola a protagonista. Quando Rose se vê confrontada por uma visão distorcida da própria mãe, e então vê a face da entidade que a assombra, a sensação é de frustração.
Frustração é uma palavra eficiente para ilustrar todo o último ato do filme, marcado por decisões incoerentes, ilusões e momentos em que é impossível não sentir a pesada mão do roteiro afundando toda a narrativa. Ao construir toda a personagem na possibilidade e esperança da salvação, especialmente num tópico tão sensível, é ultrajante encher sua história de facilitações e dar a ela um final tão pobre.
“Sorria” se utiliza de uma fórmula batida e de clichês já estabelecidos no inconsciente coletivo, mas de maneira sábia usa as ferramentas ao seu dispor para montar uma narrativa cativante, deslizando apenas no final, quando se utiliza do subterfúgio de ilusões e mortes falsas para enganar quem o assiste.
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