Por Cultura Plural
Para quem assistiu ao espetáculo “Tartufo”, encenado pelo grupo Farsa, de Porto Alegre (RS), na noite de terça-feira (8), no palco Álvaro Augusto Cunha Rocha do Cine-Teatro Ópera: esqueça certos detalhes de, por exemplo, tentar identificar se eram realistas ou farsescos certos momentos da apresentação, ou se algum ator ou atriz não articulou bem uma fala ou outra. Isso efetivamente aconteceu. Mas o que são essas filigranas diante da grandeza de outro espetáculo (além de “Ser Tão Grande”, apresentado no domingo, 6) que se impôs, nesta edição do Fenata, pela excelência da montagem? Ninharias. O que se viu nessa noite foi um espetáculo que, no conjunto, se resume a uma única palavra: irretocável.
Segunda montagem de um total de três que o grupo deseja realizar dentro da trilogia “As Três Batidas de Molière” (que começou com “O Avarento”, em 2008, ganhador dos prêmios de melhor espetáculo pelo júri popular e melhor ator para Marcos Chaves, entre outros, no 38º Fenata, no ano passado, e que será finalizada com “O Doente Imaginário”, em 2012), “Tartufo” aborda – comicamente, é claro – as relações humanas que envolvem aqueles que utilizam a fé para adquirirem o poder e a ascensão social. Bem, isso é algo que não mudou muito de 1664 – ano em que a peça foi encenada pela primeira vez – para cá. E é justamente na atualização da peça de Molière – uma das mais sofisticadas e engraçadas da língua francesa de todos os tempos – que o grupo dá o seu tom. Com direito a banda ao vivo, encenação de um culto religioso caça-níquel, como se vê tantos por aí, principalmente pela televisão, e cenas absolutamente impagáveis.
Todo o elenco está afinado, da interpretação às coreografias e cantos. O figurino é de encher os olhos e as cenas, principalmente com a presença da personagem Dorina, são hilárias. Aliás, a interpretação de Ariane Guerra deveria ser tombada pelo patrimônio histórico, de tão pontual, exata, eficaz e muito, muito engraçada. De quebra, o elenco se dá o direito de fazer cacos metalingüísticos, como na cena em que Orgon (Marcos Chaves) quer conversar a sós com a filha Mariana (Tefa Polidoro), mas Dorina não quer deixar. Marcos olha para o fundo da plateia e diz: “Iluminador, me ajuda aqui” – e uma luz foca neles, enquanto outra, bem fraca, delineia Dorina. A brincadeira é que eles não podem sair da luz. Outro caco é quando Tartufo (Elison Couto) é desmascarado e o policial (Bruno Hypólito) mostra um cartaz de “procura-se” com a fotografia do ator como Harpagão, de “O Avarento”. Um pouco antes, o mesmo Elison, após Tefa e Ariane terem passado com potes pela plateia para arrecadar dinheiro para o culto de Tartufo, aparece no centro do palco com uma moeda e diz, irônico, olhando para o público: “Depois, eu que sou o avarento, né?”. Tais cenas dão mostra do quanto a montagem é inteligente e do quanto a encenação, nesses momentos, fisga a plateia para não largar mais.
Os três diretores do espetáculo – Marcos Chaves (que fez a direção musical e realizou um trabalho vocal e musical fantástico com o elenco), João Pedro Madureira (assistência) e principalmente Gilberto Fonseca (direção geral) – estão de parabéns. Gilberto é danado e sempre surpreende com uma carta na manga. É dele, por exemplo, a ideia do terno vermelho de Tartufo, quase no final do espetáculo. Um achado. Todo o elenco também está de parabéns. É muito raro ver uma homogeneidade assim.
Mais uma vez, o grupo Farsa trouxe excelente teatro a Ponta Grossa. Que venha “O Doente Imaginário”. A plateia não aguenta mais esperar pelo final da trilogia.
Bravo! Superbe!
*Helcio Kovaleski é crítico de teatro desde 2000, quando começou a escrever para o site Convoy. Desde 2001, publica regularmente críticas sobre os espetáculos do Fenata no jornal Diário dos Campos. Também já publicou críticas de espetáculos que vieram a Ponta Grossa em outros períodos do ano. Entre 2002 e 2004, escreveu críticas de cinema no jornal d’pontaponta e, entre 2005 e 2006, críticas de televisão no jornal cultural Grimpa.