Por Cultura Plural
Yvonne de Lima Fernandes, apesar do nome de origem francesa, é uma indiana, nascida no estado de Goa em outubro de 1949. Goa foi uma colônia portuguesa por mais de 450 anos até ser anexada pela Índia em 1961. Devido a isso Yvonne foi habituada à língua portuguesa desde pequena. Não sente falta da Índia, já morou quatro anos na Itália e agora está no Brasil. Como se descreve, era uma menina festeira, extrovertida, adorada pelos vizinhos, morava com seus pais, agora já falecidos e tinha uma irmã – também falecida – e quatro irmãos, dois que ainda moram na Índia e dois que estão no Brasil. A família de Yvonne fazia parte da pequena população da Índia que segue a religião católica, a maioria no país segue o hinduísmo.
Quando terminou a 4º série, Ivonne foi para uma cidade vizinha, que ficava a uma hora e meia da casa dela para continuar a estudar. Nesta cidade existiam as irmãs da congregação que começaram um convento. Yvonne foi colocada no convento para que continuasse seus estudos. Ela nunca pensou em ser freira, mas relata que não se sentia completa, sentia uma felicidade apenas momentânea, que não a preenchia. Enquanto observava as irmãs, acreditou que aquele pudesse ser seu caminho, pois elas se sentiam felizes.
Durante as férias da escola foi para casa e um dia, enquanto estava lavando a roupa, começou a pensar: “Eu não estou satisfeita, em casa não falta nada, meu pai tem um bom emprego, minha mãe cuida dos terrenos, mas no fundo não estou satisfeita, aquelas irmãs são muito felizes, parece felicidade que não termina”, relembra. Foi ali que decidiu que ia fazer parte da congregação e entrou para vida religiosa quando tinha 15 anos. Yvonne convidou as irmãs para irem a sua casa tomar um café e nesse dia ela falaria para seus pais que seria freira, a melhor de todas as freiras.
Ela conta que foi um começo difícil, seus irmãos não aceitavam, choravam muito, seu pai teve um infarto nessa época e ela acredita que um dos motivos foi a sua decisão. Elas eram duas irmãs e seu pai não queria que fossem para a vida religiosa. Ele dizia que seus irmãos podiam ser padres porque eram quatro homens – um dos irmãos de Yvonne ficou um tempo no seminário mas voltou ao perceber que esta não era sua vocação. O pai queria as duas filhas casadas e com uma família e tinha para Yvonne um plano de que ela fosse médica. A filha concordou e quando voltou para o convento, depois das férias, mandou uma carta falando que não seguiria essa carreira, que faria magistério e seria freira. Logo em seguida seu pai teve um infarto e Yvonne liga esse fato à sua decisão. Depois de se recuperar, o pai de Yvonne aceitou sua vocação e veio prestigiá-la em sua profissão (ordenação) com o irmão mais novo.
Quando questionada se já havia pensado em casar e ter filhos, Yvonne relata que sim, que tinha conversas com a mãe sobre o assunto e que faria isso. Para ela as pessoas têm uma visão errada da vida das freiras e padres porque pensam que elas/eles nunca tiveram outros planos antes da vida religiosa, que não tiveram outras experiências.
A vida de um padre e de uma irmã vai ter tentações, mas é renovar o importante, ou seja, não ficar naquilo que não faz bem, para a irmã tudo é consequência dos pensamentos positivos ou negativos.
Naquela época, na Índia, não existia muitos conventos e, de acordo com Yvonne, não tinha muitas meninas que seguia essa vocação. Ela não teve outros exemplos, de amigas ou conhecidas, que entraram para a vida religiosa, apenas as irmãs da congregação porque viveu com elas para estudar.
Yvonne entrou efetivamente para a vida religiosa em 31 de dezembro de 1969 e fez seus votos perpétuos em 30 de dezembro de 1974. São chamados perpétuos porque a partir do momento que são pronunciados, diante da comunidade da Igreja, obtém os direitos e deveres plenos da Congregação e, acima de tudo, está mais segura e madura para sustentar o sim definitivo e sempre renovado ao seu único Senhor.
Na Casa de Formação Santa Úrsula, a rotina de Yvonne começa às cinco e meia da manhã com uma reza, em silêncio. Depois as religiosas vão para a missa e às seis e meia voltam e fazem a oração vocal que elas chamam de liturgia das horas. Às oito horas elas tomam café e ao meio dia se encontram para fazer uma oração novamente. Passam em torno de 4 a 5 horas rezando por dia.
O convento é um lugar quieto e isolado, fica no final da Avenida Congonhas no bairro Chapada. Os vizinhos ajudam as irmãs a cuidarem do local, plantando árvores, cuidando do jardim, limpando o terreno. O ambiente é muito limpo, calmo e gelado, entra muito vento nas salas, o convento tem tons de marrom e os móveis de madeira reforçam as cores escuras. Existe uma capela no local, refeitórios e salas para conversas e de espera. No lugar ainda tem mais uma creche que é cuidada também pelas irmãs e professoras.
Café da tarde na cozinha do convento
A irmã acredita que precisa de um tempo livre, mas lamenta que elas são em poucas freiras e acaba ficando uma correria no convento com tantas tarefas. Quando sobra um tempo ela escuta palestras no YouTube em línguas estrangeiras, como inglês, italiano ou em português e também lê livros no formato de PDF (Portable Document Format) – seu livro favorito é Treinando a Emoção para Ser Feliz, de Augusto Cury. As leituras brasileiras são poucas, uma das formas de perceber isso é que Yvonne está no Brasil há 20 anos e ainda tem um sotaque indiano bem marcante.
Ajudar os outros também é algo que a irmã faz no tempo livre. Indo até as capelas e conversando com os fiéis, ajudou pessoas que estavam passando por problemas de depressão. Em conjunto com as irmãs que são formadas em Psicologia, ela acredita que Deus pode ajudar nessas questões. Segundo Ivonne, hoje em dia muitas pessoas têm problemas psicológicos porque não querem passar nenhum tipo de dificuldade, e sim pular para a parte em que já se sentem recompensados e realizados: “O ser humano hoje vive só de sentimentos”.
Irmã Yvonne assiste noticiários, diz gostar bastante de política e entra em debates constantes por conta do assunto: “Eu tenho que combater essa batalha de política, eu entro muito na política entre esquerda, direita, PT (Partido dos Trabalhadores), eu falo muito”. Apoia a direita, na figura do presidente Bolsonaro, não gostou da liberação das armas, mas considera que se bandidos tem armas então pessoas boas também podem ter. Ao perguntar sobre a questão do aborto, ela discorda, em exceção quando a vida da mãe está em risco, mas é contra porque acredita que estão matando uma vida e que esta vida começa com a fecundação do óvulo.
Uma das suas maiores paixões são problemas de matemática, que podem envolver estatísticas ou não, gosta de resolver as equações no papel: “É a maior alegria minha brincar com números”. Cozinhar também faz com que Yvonne se sinta feliz, ainda mais quando é elogiada. Perfeccionista, experimenta várias vezes para ver se está bom. Um dos feitos que a deixam orgulhosa foi sua participação em quatro celebrações, que ajudou a realizar mesmo não sendo ministra.
Ao comparar os dias de hoje com o período de sua juventude, Ivonne observa naquela época eles temiam os adultos e obedeciam, o não é mais comum. Segundo ela, os jovens querem ser iguais às pessoas mais experientes e falta um pouco de respeito, valores que não estão sendo ensinados em casa: “Jogamos a culpa na sociedade, mas quem está fazendo a sociedade sou eu e você”. A religiosa acredita que a juventude brasileira está depositando sua felicidade na posse, mas a verdadeira felicidade para a irmã é fazer o que é importante para a vida futura, pois a sociedade mudará se a juventude mudar.
Quando era jovem, ela conta que também fazia bagunças que hoje a deixam irritada, mas para Yvonne uma coisa que nunca mudou foi o carinho das pessoas. Ela conta que até quando fica doente todos querem ajudar e levar ao médico – uma atenção que acha que não merece.
A irmã Yvonne expressa que a Igreja Católica relaxou para seguir as famílias e as famílias relaxaram também. “Entramos em uma indiferença que aumentou cada vez mais com os meios de comunicação, por exemplo, hoje nós temos muitos meios, mas em vez de nos aproximar um do outro está nos distanciando”. Em uma visão conservadora, lamenta que as missas não sejam mais em latim e discorda de grupos carismáticos porque entende que o enfeite da missa não vai dar mais valor para ela e que não é preciso exagero no louvor e nos cantos.
Quando perguntado sobre a melhor e a pior experiência de Yvonne, ela custa a lembrar de uma experiência boa, mas coloca como uma delas a criação de uma capela em homenagem a Brigida de Jesus Morello. Já com sua pior, não demora a lembrar de uma que aconteceu enquanto morava na Índia. Um padre perguntou algo sobre a fundadora e Yvonne não soube responder, ele a humilhou na frente de todos: “Foi uma coisa que me doeu, as outras meninas sabiam porque já estavam fazendo um curso de um ano e eu ainda não tinha feito nada”.
Yvonne contou rapidamente a história de Brigida que nasceu em 1610, uma mulher que estava à frente de seu tempo. Começou uma congregação mesmo naquela época que as mulheres não tinham nem voz, nem vez. Para a irmã, se Brigida não é hoje canonizada ou muito conhecida é por causa das irmãs do convento daquela época, que não contaram sobre seus feitos com tanto entusiasmo.
Yvonne de Lima Fernandes, aos 70 anos se considera uma mulher que é amada por Deus, apesar de nunca ter pensado em doar sua vida para Deus e para o povo. A vocação que ela segue hoje é o dom que recebeu. Uma mulher de temperamento forte, impulsiva, impaciente, alegre, reconhecida pelas pessoas por sua sinceridade e grande vitalidade. Ela se sente uma pessoa cada vez mais amada e feliz.