Por Cultura Plural
Uma controvertida figura do folclore nacional, adaptada ao olhar regional, foi tema de uma tela do artista plástico pontagrossense Osires Guimarães, em pintura da primeira década do século XXI: o lobisomem da Ronda. Historiadores e literatos locais também fazem constantes referências à lenda que carrega o nome de um dos mais importantes bairros de Ponta Grossa, fazendo inclusive associações com a era do tropeirismo.
E não, ao menos em registro, qualquer maldade ou referência local aos respeitados moradores da comunidade. Inclusive porque a Ronda é um dos bairros que concentra os mais importantes e simbólicos espaços de poder do município. E, na pesquisa feita por Osires, a referência ao lobisomem mais referenciado na Cidade não teria uma única e definitiva explicação do seu surgimento e, tampouco, dá conta da real existência do personagem. E, para não afrontar uma das máximas da cultura hispânica – “no creio, pero las hay” –, é melhor compreender as hipóteses populares em torno da lenda.
Umas das versões dá conta de que o dito cujo regional – também indicado como o ‘lobisomi’ ou ‘lubi’ – existiria desde as primeiras décadas do século XX, vez por outra, atormentando moradores que escolheram o bairro como moradia. Em noite de lua cheia, na coincidência astrológica que oscila entre a segunda metade do outono e a duas primeiras quinzenas do inverno, o Lubi já teria aparecido para pessoas de diferentes faixas etárias, gênero e classe social.
Outra interpretação local dá conta de que a lenda estaria associada ao aparecimento no caminho (noturno) de jovens mulheres, preferencialmente as que ignoram ou desafiam a suposta existência do Lobisomem. E lá pelas bandas da Ronda não seria diferente. Respeitadas senhoras, que já residiram na localidade, teriam perdido o fôlego, tentando escapar do dito cujo. Algumas das quais, embora não neguem tais desencontros, preferem não falar, evitando atualizar energias de outros tempos.
Talvez pela proximidade ou coincidência geográfica, reza uma versão popular da lenda que o Lubi gosta mesmo é de se esconder no prédio mais importante da Cidade – a base do centro administrativo municipal na esfera executiva. Decorre daí a hipótese de que o dito mantém o hábito de vagar pelo bairro em função do palácio.
É também daí a versão que, por vezes, se ouve em comentários locais: “um lobisomem assombra a vida de setores da população”, a partir da Ronda. Mas, embora possa ser confundido, é bom lembrar que o lobisomem não é sinônimo de demo (referência ao ‘capo’ em uma interpretação contemporânea de certas crenças religiosas). Pode até coincidir, mas não tem qualquer relação direta e previsível. Até porque, se assim fosse, a lenda estaria desmontada e pouco sobraria para a fértil imaginação popular repercutir o assunto.
Em respeitados espaços públicos locais, ouve-se que o tal Lubi, quando não é visto com a mesma frequência d’ outrora, estaria se deslocando entre corredores, sobrados e algumas salas pouco frequentadas nos maiores prédios públicos do bairro. Na esteira desta hipótese, diz-se, ainda, que o lobisomem circula, preferencialmente ao entardecer, pelos corredores de um prédio da administração municipal e, eventualmente, até se alimenta de sobras de estranhos negócios articulados no entorno do Palácio. Talvez por isso, em alguns momentos conturbados da vida social, sugere-se que um lobisomem ocupa o Palácio da Ronda.
Enfim, qualquer trocadilho ou interpretação ofensiva, por alguém que possa se sentir ‘dono’ de prédio público (mal ou bem assombrado) perde o sentido. Tanto que, depois de tantos anos, nenhuma autoridade ousou apresentar sequer um projeto para expulsar o Lubi das redondezas onde optou pela ocupação. Não cabe, aqui, e nem seria função de uma simples crônica, desafiar crenças populares. Mas, na dúvida, como no caso das bruxas, pode-se até não acreditar, mas ainda assim é melhor precaver: e não suspeitar da criativa imaginação popular.
Sérgio Luiz Gadini, professor, jornalista, pesquisador da cultura popular ao Sul do Ecuador. OBS: Uma primeira versão deste texto foi publicada pelo Diário dos Campos, também assinado pelo autor, em 05/11/2011, sob o título “Lendas urbanas em PG: um lobisomem na Ronda”.