Por Cultura Plural
19:45 da noite. No último dia do Fenata, uma das imagens que mais pode dar um parâmetro de como foi a relação do público com o festival não estava no palco. Tampouco nos assentos lotados do Cine Teatro Ópera. Do lado de fora do teatro, pessoas aguardavam pelo aparecimento de algum ingresso que permitisse a entrada delas para assistir o último dia do festival de teatro.
O professor Antonio Queiroz ou (como ele mesmo se autodenomina) Professor Queiroz aguarda estático na bilheteria já vazia do Ópera: “Estou aqui há cerca de 15 minutos. Como não tinha certeza se viria, deixei para comprar o ingresso em cima da hora. Mas não deu certo”. Os ingressos haviam terminado na tarde do dia 11 e a última esperança do professor de português era que aparecesse alguém desistindo de entrar e querendo vender uma entrada.
Um dos motivos que despertaram o interesse de Queiroz é a peça convidada para o último dia de espetáculo. Vindo de Moçambique, a peça A Cavaqueira do Poste do grupo Lareira é a atração internacional do Fenata. O próprio local de origem dos atores chama atenção do professor: “Os negros são a base da cultura brasileira. É sempre bom ver como é uma cultura diferente”.
O tempo passa e mais algumas pessoas vão em direção à sala de espetáculo. A maioria já tinha o ingresso na mão. Leandro, o segurança do local, já está acostumado com a quantidade de pessoas: “neste ano, todos os dias lotaram. Houve um grande crescimento do movimento em relação ao ano passado ou mesmo ao Fuc”, diz o segurança, que é um dos mais indicados para avaliar o fluxo de pessoas no festival.
Chega 20:30. Os nomes dos vencedores estão sendo anunciados no lado de dentro do Ópera e a peça “importada” já se prepara para entrar em cena. O professor Queiroz decide voltar para casa. Infelizmente, ninguém desistiu de entrar no espetáculo. Para ele, Fenata só no ano que vem.
“A cavaqueira do Poste” foi uma peça encenada pelo Grupo de Teatro Lareira, Moçambique que encerrou a 39º edição do FENATA. A peça faz parte do VI Circuito de Teatro em Português o texto da obra escolhida para a apresentação e de Sérgio Mabombo que também atua na peça ao lado de Diaz Santana.
“A cavaqueira do Poste” a princípio é uma releitura da peça “Esperando Godot” de Samuel Beckett. No texto de Sérgio Mabombo a trama começa a partir da vida de dois mendigos que vive na praça ao lado de um poste e estão à espera do milionário Drumond Galaska, que promete ajudar a Tendeu (Diaz Santana) e Calvino (Sérgio Mabombo). Tendeu é um homem que teve seus braços amputados pela guerra civil africana, enquanto Calvino ficou cego por um acidente de trabalho e os dois mesmo com as dificuldades na miséria completam se em suas deficiências para um ajudar o outro.
Tendeu é um homem lúcido que tenta mostrar a Calvino os problemas da crise mundial e o impacto que a crise causa nas vidas dos dois. No entanto a discussão sobre as origens da crise e apenas um pano de fundo para a trama, pois a miséria e as condições subumanas de existência e o que move toda a história de “A cavaqueira do Poste”.
A peça é um misto de cômico com drama, mas ao contrário da proposta existencialista de “Esperando Godot” a discussão de “A cavaqueira do Poste” se mantém sobre a pobreza e a má distribuição de renda pelas nações. A crise do poder econômico passa a ser algo mais comum e concreto para um público que não conhece a realidade dos países africanos. No fim da peça Calvino acaba por ser abandonado por Tendeu que desacreditava na vinda de Drumond Galaska. Apesar do fim tragicômico “A cavaqueira do Poste” é uma ótima peça para quem deseja ter um choque cultural e lingüístico do universo africano, português e brasileiro.
Reportagem de: Edgard Matsuki e Gildo Antonio