Por Cultura Plural
Com 49 anos e longos cabelos brancos encobertos por uma touca, Américo da Silva Nunes – ou Américo Nunnes, seu “novo nome artístico”, como ele frisa – tem sua vida em ligação direta com a arte. O local da entrevista já demarca seu espaço e traz fortes traços de significação com o cenário cultural de Ponta Grossa: o Cine-Teatro Ópera.
Passeando pela casa pública de espetáculos mais tradicional da cidade como se fosse sua própria moradia, Américo Nunnes – com 13 letras, ele nos diz – vai caminhando com a mão no bolso da jaqueta enquanto seguimos atrás. Entre uma parada e outra, seja na recepção ou na bilheteria, sempre acha algum amigo para brincar.
“Por que você tá nervoso, piá? Fique gelo, fique gelo”, é a forma que ele achou de aproximação com seus colegas, carregado de sotaque ponta-grossense e amplitude que ecoa pelo alto pé-direito do teatro.
Américo passeia livremente pelas artes. Na literatura, é o ‘pai’ do Bando da Leitura, idealizado pela sua esposa, Lucélia Clarindo. Tem três filhos de sangue – “dois concebidos, literalmente, dentro do Teatro Pax” – e mais uma dezena que frequentam sua casa nas quartas-feiras para participarem das atividades do Bando. E por falar no Teatro Pax, Américo administrou durante oito anos o espaço, em Vila Oficinas. Por seis anos, morou com a esposa e o filho mais velho, Luan, nos camarins do teatro. E justamente nesses camarins que foram gerados a filha Melu e o filho Ian. Por mais seis anos, residiu em uma casa nos fundo do Pax, como um verdadeiro cão de guarda. Só que, em vez de vigiar a casa de seu dono, como fazem os animais, o homem cuidava de um bem mais importante: a arte.
Hoje, é agente cultural, pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Mas, voltando na história, vemos que Américo é, por formação, marceneiro. Dos 12 aos 20 anos morou na capital paranaense para estudar no Centro de Formação Profissional para Menores de Campo Comprido. De lá, viajou para Maringá, Londrina, Roraima e Rio Grande do Sul. Sempre sozinho. “Antes só do que mal acompanhado”, nos revela o forasteiro. Voltou com 24 anos pra sua cidade-mãe. Pela prefeitura, trabalhou por três anos no Parque de Exposições Augusto Ribas – onde hoje é o Campus Uvaranas da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Nesta época, por volta de 1986, na gestão do prefeito Otto Cunha, estava sendo montado o Departamento de Cultura. Como faltava verba para contratação de pessoal, a prefeitura decidiu deslocar os funcionários que eram ligados ao campo cultural na cidade, entre eles, Américo da Silva Nunes.
“Temos uma Secretaria de Cultura hoje porque nós brigamos muito naquela época”, conta o agitador cultural. Depois de administrar o Teatro Pax, foi para o Centro de Cultura e, na época de reabertura do Cine Teatro Ópera, mudou seu trabalho para lá. É o responsável técnico do teatro, mas também é professor, iluminador, porteiro, bilheteiro… de acordo com a necessidade. Mas o que mais agrada a Américo é a ‘operação montagem’: recebimento do mapa de luz, instruções do operador da equipe, montagem, reclamação do operador, separação de fases, mais reclamação do operador e por aí vai.
Américo Nunes, ou melhor, Nunnes, sempre fez teatro, desde a época que morava em Curitiba. Já em Ponta Grossa, foi um dos criadores do grupo Santo de Casa Também Faz Milagre, o qual está em “estudo… na verdade, estamos parados mesmo, mas é mais bonito falar que estamos em estudo”, se diverte o ator. Mas o retorno do guardião do Ópera ao teatro será em breve, muito breve. Com exclusividade – “é furo que se diz, né? – , ele nos revela que está dirigindo o monólogo Valsa nº 6, do escritor brasileiro Nelson Rodrigues. Previsto para estrear em outubro deste ano, o diretor emociona-se ao falar sobre a peça: “O texto é enlouquecedor! Já fizemos leitura de mesa e o texto; agora estamos na marcação de cena com a atriz”.
Durante a entrevista, um objeto chama a atenção. Pendurada em um quadro rosa, em uma das paredes do cubículo “cafofo”, onde Américo guarda seus apetrejos elétricos – uma verdadeira bagunça, isso sim – uma calcinha preta. “Não é uma calcinha, é uma obra de arte”, interrompe o artista plástico. “A pessoa vê o que ela quiser. Poderia ser outra coisa, mas por um acaso é uma peça íntima. É uma criação coletiva da equipe técnica. Estávamos reunidos aqui e um dia surgiu essa calcinha no teatro, de alguém que esqueceu ou sei lá. Aí a gente não quis procurar o dono, e fizemos essa obra de arte”, relata Américo, seguido de uma longa e alta risada.
Para fechar a conversa, pergunto: qual a melhor coisa da vida? Em um estalo, sem eu nem perceber, Américo Nunnes já me responde. “Viver, somente viver.”
Por Eduardo Godoy