Por Cultura Plural
As brincadeiras tradicionais infantis vêm perdendo espaço ao longo do tempo. Concorrendo com a tecnologia, os computadores e celulares, elas são esquecidas e ignoradas por muitas crianças dos dias de hoje. Em um giro pelos bairros de Ponta Grossa, só nos locais mais afastados, geralmente nos finais de semana, algumas crianças brincam nas ruas. Elas estão quase sempre jogando futebol ou soltando pipa. Os parques da área central da cidade são muito frequentados pelas famílias, e o playground é o mais perto que muitas chegam da diversão ao ar livre.
Nas escolas, os professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, principalmente de Educação Física, procuram trabalhar as brincadeiras com as crianças, colocando os pequenos em contato com a história e a cultura por trás das tradições.
Moacir Ávila de Matos Junior é professor no curso de Educação Física e coordenador do Departamento de Métodos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Para ele, as brincadeiras vão muito além de só proporcionar diversão. “As brincadeiras têm a função de desenvolver não só a coordenação motora das crianças, mas também o sistema neuronal. Aumenta o número de sinapses no cérebro, o que dá condição de ela guardar mais informações”, afirma.
Moacir fala sobre a existência de diretrizes curriculares nacionais que trabalham a importância de brincadeiras para o desenvolvimento motor das crianças, e sobre o planejamento dos professores para trabalhá-las com os alunos, principalmente no mês de agosto. Isso porque nesse mês se comemora o folclore nas escolas, então os brinquedos e jogos são apresentados às crianças junto de como surgiram e por quais nomes são conhecidos país afora. “Muitas crianças hoje não conhecem (as brincadeiras) por não brincar mais na rua e não ter acesso aos brinquedos com que se brincava antigamente”, completa o professor.
Brincadeiras miscigenadas
E de onde vieram essas tradições? Alguns pesquisadores, como Câmara Cascudo, buscaram traçar as origens desses jogos infantis. Acredita-se que muitos deles tenham se originado de contos e rituais místicos e religiosos que tiveram seu sentido original alterado. Como é de se imaginar, muitos foram trazidos da Europa pelos colonizadores portugueses, outros fazem parte da tradição indígena e da africana, e alguns são originalmente orientais, mas se popularizaram no continente europeu e chegaram ao Brasil.
Phillipe Ariès, autor do livro “História Social da Criança e da Família”, constatou que algumas das brincadeiras populares entre as crianças eram compartilhadas com os adultos, como a cabra-cega ou cobra-cega e o esconde-esconde ou pique-esconde. Quadros dos séculos XVI e XVII ilustram essas brincadeiras entre os mais velhos. Especialmente no último século, a cabra-cega, assim como a boneca, acabou no gosto das meninas, enquanto no passado as diferenças entre gêneros eram menos evidentes na hora de se divertir.
Uma das brincadeiras mais comuns até os dias atuais é talvez uma das mais antigas. A pipa (ou papagaio) foi inventada há aproximadamente dois séculos antes de Cristo, de acordo com a História Chinesa. Era um objeto estratégico para calcular distâncias e fazer comunicações.
Em Ponta Grossa, cidade onde venta muito, é de se esperar que a pipa atraia muitos praticantes. Crianças de bairros próximos ao centro, como Ronda e Oficinas, costumam empinar pipas aos fins de semana. A grande maioria são meninos, assim como era costume ver os meninos brincarem de bolinha de gude e pião, dois brinquedos praticamente extintos, que talvez existam nas zonas rurais.
Outra brincadeira que às vezes aparece nas ruas é o taco (ou bets), que é uma adaptação popular do “cricket” britânico, que utiliza pedaços de madeira e bolas de tênis ou qualquer objeto que possa assumir essa função. Já a peteca é difícil de encontrar, mas também pode se assemelhar com um esporte, principalmente o voleibol, dependendo de como é jogada. Sua origem é indígena, e costumava ser praticada somente por homens
A cantiga de roda aparece com frequência dentro das famílias e das escolas, principalmente na Educação Infantil. Com tantas canções e adaptações, algumas cantigas podem ter se perdido no tempo, enquanto outras ainda são trabalhadas com os pequenos. O difícil é estabelecer onde elas surgiram, por serem anônimas, mas se sabe que algumas palavras têm origem no vocabulário dos escravos, como abreviações, por isso se considera que existem cantigas que eram utilizadas por rodas entre negros, entre negros e brancos ou eram cantadas pelas amas às sinhazinhas e aos sinhozinhos.
O presente e o passado
As filhas de Sílvia Correia vão brincar na Praça Barão do Rio Branco em alguns finais de semana. Mas quando ficam em casa, costumam brincar entre elas de brincadeiras tradicionais e populares. “A Laís não fica muito no computador não, ela e a Milena brincam bastante”, diz Sílvia. Laís, a mais velha, tem oito anos, e conta que brinca às vezes no intervalo da escola e nas aulas de educação física, mas na maior parte são esportes.
Sílvia fala que tem medo de deixar as meninas brincarem na rua, coisa que ela fazia muito na infância, ao brincar de corda e amarelinha com as amigas. As brincadeiras preferidas de Laís são Mamãe-Polenta e Maria-Do-Leite, além de brincar bastante de esconde-esconde, mímica e boneca.
Eloir Machado e Janete Kluchak levam a pequena Gabriela ao Parque Ambiental de vez em quando. Os dois falam de forma saudosista sobre a sua infância. Eloir diz que brincava muito de pipa e bolinha de gude, mas que hoje em dia é difícil ver essas brincadeiras. “Hoje em dia tem muita tecnologia, os meninos ficam só no videogame. O futebol ainda é bem comum, mas o resto é raro”, acredita.
Janete diz que brincava muito de 31 é meu, uma variação de esconde-esconde, além de cobra-cega e casinha. Para ela, as crianças não sabem o que é brincar nos dias de hoje. Gabriela, diferente das outras duas meninas, brinca só de casinha e gosta de jogar vôlei.
O professor Moacir Ávila de Matos Junior acredita que as crianças têm pouco espaço para brincar hoje e são rodeadas de tecnologias que chamam a atenção. O trabalho da escola vem no sentido de suprir essa falta de interação entre os mais novos, e também a falta de exercício físico. Ele relata o choque inicial dos alunos com essa forma de diversão. “Quando as crianças são apresentadas a essas brincadeiras elas acham engraçado. Mas depois que elas vão conhecendo elas vão se envolvendo, elas veem que são brincadeiras prazeirosas e gostam de participar”, completa.
Reportagem de Taís Borges de Macedo