Por Cultura Plural
Clube Estrela em 2024. Foto: Clube Estrela da Manhã Por Yasmin Taques
No coração de Tibagi, cidade com cerca de 20 mil habitantes localizada na região dos Campos Gerais, no Paraná, surgiu em 1934 o Clube Estrela Da Manhã. A iniciativa partiu de Antônio Ribeiro, mais conhecido como Zé Biné. Zé foi motivado pela exclusão racial vivida pela população negra da cidade.
Com esforço coletivo da comunidade negra, o clube foi construído em um terreno doado nas proximidades do Clube Tibagiano que, na época, era reservado exclusivamente à elite branca da cidade. O Estrela da Manhã nasceu como símbolo de resistência, pertencimento e afirmação cultural em uma sociedade marcada pela segregação.

O Clube desempenhou um papel crucial na promoção da cultura negra na cidade desde 1934. Através da realização de bailes, festas culturais, celebrações de Carnaval e outras manifestações artísticas e folclóricas, o local se consolidou como um importante espaço de expressão e identidade para a comunidade afrodescendente do município. Entretanto, mesmo com tanta relevância histórica e simbólica, o chamado “clube dos negros”, passou por desafios estruturais e financeiros, o que levou à desativação de suas atividades na última década. Em 2018, graças ao empenho da comunidade e a iniciativas de valorização da memória local, as portas do espaço foram reabertas, marcando o início de um processo de revitalização e recuperação da memória do lugar.
Em 2024, o Clube Estrela da Manhã retomou suas atividades sob a liderança de uma nova diretoria, trazendo de volta eventos que marcaram época e foram fundamentais para a vida cultural da comunidade. Um exemplo simbólico deste retorno foi a comemoração dos 90 anos de existência do clube.
Foi uma celebração repleta de bailes, premiações, dança e alegria, resgatando o espírito das festividades históricas, como relembra Elzinda Dias no documentário Projeto Sociabilidades Negras dos Campos Gerais. Para quem pertence a uma geração mais jovem, assim como eu, é importante presenciar a reabertura de uma parte da história da cidade e também continuar o legado de sua memória.
Diretoria do Clube Estrela da Manhã 2024 – 2025. Foto: Andando por Tibagi
A comemoração dos 90 anos foi marcada por homenagens a figuras importantes que fizeram parte da trajetória do Clube. Entre os homenageados, estavam a primeira rainha do Carnaval, ex-presidentes e mulheres negras que simbolizam a força e a representatividade da comunidade. O evento proporcionou um momento especial: a dança de um casal que celebrava seu aniversário de casamento, união cuja festa de casório também entrou para a história do clube. Esse gesto reforçou a profundidade afetiva e simbólica do Estrela da Manhã como espaço de memórias coletivas. O evento foi muito bem organizado e pensado em cada detalhe, o que emocionou o público presente.
Show com Banda Londres em comemoração aos 90 anos do clube. Foto: Andando por Tibagi
Dança em comemoração ao aniversário de casamento. Foto: Andando por Tibagi
Como falar do Clube Estrela da Manhã sem mencionar os Carnavais? A década de 1950 foi especialmente marcada pelas animadas festividades carnavalescas promovidas pelo clube, que se tornaram referência cultural em Tibagi. No entanto, desde 2004, o Estrela deixou de realizar seus tradicionais bailes de Carnaval, visto que a festa se concentrou nas ruas da cidade. Contudo, diante das circunstâncias de 2025, quando o carnaval de rua foi cancelado, o clube decidiu resgatar essa tradição tão significativa, reativando a memória afetiva de antigos foliões. A festa cujo nome foi Estrelas da Folia, mostrou como essas tradições não podem ser esquecidas, por mais que haja novos formatos, idades e gerações.
O carnaval Estrelas da Folia passou sentimento de aconchego, felicidade e muito amor, além de ser um espaço pensado para a segurança dos foliões. A diretoria se adaptou às novas tecnologias, inserindo sistemas de compra por ticket, o que evitava filas grandes e transtornos.
Diretoria 2024-2025 comemorando o Carnaval Estrelas da Folia. Foto: Yasmin Taques
O Clube Estrela da Manhã e o Clube Tibagiano tem seu valor histórico e simbólico na cidade, apesar de se distinguirem em seus ideais. O Tibagiano, tradicionalmente frequentado pela elite branca, perdeu força com o surgimento de novos espaços de lazer, mudanças nos hábitos sociais e a popularização do Carnaval de rua. Hoje, permanece como uma memória importante do passado, mas sem atividades em funcionamento. Já o Estrela, apesar de desativado por um período de tempo, ainda se mostra resiliente frente às transformações geracionais e reforça um compromisso com a comunidade em preservar o espaço.
Clube Tibagiano em 2023. Foto: Paulo Mercer
Espaço cultural fundamental e um verdadeiro guardião da memória coletiva de Tibagi, o Clube Estrela da Manhã possibilita o encontro entre gerações, criando um elo vivo entre passado e presente. A partir dos eventos que recebe, todas as gerações se conectam umas com as outras. Atividades como as celebrações do Dia da Consciência Negra, exposições fotográficas, palestras, bailes gaúchos e noites de flashback resgatam o espírito dos anos dourados do Estrela.
Dia da consciência negra no Estrela. Foto: Clube Estrela da Manhã
Apesar de a reabertura do Clube Estrela da Manhã ser muito importante para a história de Tibagi, a participação dos jovens ainda é pequena. Isso faz pensar que, muitas vezes, a cultura vai se perdendo não só com o tempo, mas também porque as famílias não se envolvem tanto para mantê-la viva. Quando as tradições não são passadas de geração em geração, lugares como o Estrela podem acabar esquecidos com o tempo. Mais do que um local de festas, o clube se consolida como resistência que todas as gerações devem conhecer.