Por Cultura Plural
Por Sabrina Waselcoski
A mídia desempenha um papel central na construção de imaginários sociais e culturais, especialmente no campo esportivo, ao selecionar, legitimar e divulgar práticas e valores que moldam o senso comum. Nesse contexto, os meios de comunicação regionais e nacionais não apenas informam, mas também têm o poder de ensinar e influenciar ao escolher quais esportes recebem mais atenção. O portal A Rede, reconhecido por sua atuação no jornalismo digital com foco em conteúdos regionais e de interesse geral, em Ponta Grossa, constitui um exemplo representativo das escolhas editoriais que marcam a cobertura esportiva brasileira. A análise de sua editoria esportiva revela uma ênfase quase exclusiva no futebol, em desvantagem de outras modalidades, o que evidencia uma prática excludente e pouco pluralista, carente de compromisso com a diversidade esportiva.
Considerando a comunicação e o esporte, o jornalismo esportivo deve ser compreendido não meramente como uma atividade voltada ao entretenimento ou à reprodução de performances atléticas, mas como um campo discursivo estratégico, capaz de promover cidadania, inclusão social e reconhecimento cultural (Melo, 2007). Dessa forma, sua atuação ultrapassa a função de relatar resultados e atuações, incidindo diretamente sobre a forma como diferentes modalidades são percebidas, valorizadas ou marginalizadas pela sociedade. A cobertura esportiva centrada majoritariamente no futebol reforça uma lógica de hegemonia esportiva já historicamente consolidada na mídia tradicional brasileira, contribuindo para a invisibilização de práticas alternativas, muitas delas com significativa relevância nos contextos locais.
A justificativa frequentemente utilizada para a centralidade do futebol nas pautas jornalísticas repousa em critérios de audiência e retorno comercial. Ainda que tais argumentos apresentem algum grau de validade no âmbito mercadológico, eles não isentam os meios de comunicação da responsabilidade social e ética que lhes cabe enquanto formadores de opinião. A ausência de modalidades como atletismo, natação, vôlei, futsal, artes marciais e esportes paralímpicos na cobertura do portal A Rede configura não apenas uma omissão informativa, mas também um obstáculo à valorização de atletas, projetos comunitários e práticas esportivas que transcendam o universo futebolístico. Em levantamento realizado entre os dias 1º de janeiro e 30 de abril de 2025, foram identificadas aproximadamente 120 publicações na editoria esportiva do portal, das quais 102 (85%) estavam relacionadas ao futebol, enquanto apenas 18 (15%) abordaram outras modalidades, sendo elas tênis de mesa, motociclismo, taekwondo e surfe. Mesmo entre essas últimas, observa-se uma abordagem predominantemente episódica e desprovida de aprofundamento analítico.
Essa concentração temática revela-se problemática sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, limita o escopo da atuação jornalística ao reproduzir uma lógica seletiva e reducionista, comprometendo a diversidade temática e a representatividade esportiva. Em segundo lugar, negligencia o potencial do esporte como instrumento de transformação social, cuja eficácia depende, em grande medida, do reconhecimento público e da difusão midiática. Quando os veículos de imprensa ignoram modalidades menos populares, também silenciam histórias, trajetórias e iniciativas que poderiam inspirar e mobilizar a população, sobretudo jovens em situação de vulnerabilidade social.
Além disso, essa escolha editorial não acompanha as mudanças atuais na forma como as pessoas se informam e consomem esportes. As transformações sociais, culturais e midiáticas das últimas décadas têm impulsionado a demanda por uma cobertura mais inclusiva, atenta às múltiplas expressões culturais e aos diferentes sujeitos sociais que compõem o cenário esportivo. A ascensão dos esportes femininos, dos jogos paralímpicos e das práticas esportivas urbanas e alternativas atesta a complexidade e diversidade desse campo, exigindo dos meios de comunicação uma atuação mais sensível e plural. Ignorar essa multiplicidade significa aderir a uma visão estreita e excludente do esporte, que reitera desigualdades e reproduz estereótipos historicamente cristalizados.
Levando em conta a perspectiva social da mídia, especialmente em contextos regionais, espera-se que veículos como o portal A Rede desempenhem um papel ativo na promoção da diversidade esportiva, oferecendo visibilidade a atores e eventos que não encontram espaço nos grandes conglomerados midiáticos. Isso implica a necessidade de um redirecionamento editorial, no qual o jornalismo assuma seu papel enquanto mediador cultural e agente de valorização de práticas esportivas locais. A cobertura de ligas amadoras, competições escolares, iniciativas de base e projetos sociais vinculados ao esporte contribui não apenas para o fortalecimento do jornalismo regional, mas também para a consolidação de uma esfera pública mais democrática.
Em síntese, a cobertura esportiva do portal A Rede, ao privilegiar de forma quase absoluta o futebol, reproduz uma lógica excludente que compromete tanto a qualidade do jornalismo quanto a função social da mídia. A ampliação da visibilidade de outras modalidades esportivas deve ser compreendida como uma demanda urgente, que transcende o aspecto informativo e incide sobre a promoção de justiça social, reconhecimento cultural e inclusão cidadã. O esporte, enquanto fenômeno multifacetado e dinamicamente articulado à vida social, exige da imprensa um compromisso com sua pluralidade. Cabe, portanto, aos veículos regionais – como é o caso de A Rede – assumirem uma postura mais propositiva e abrangente, contribuindo para a construção de uma narrativa esportiva mais representativa, crítica e democrática.