Capa do livro Cine Central: Entre Imagens e Amor. Fonte: Editora Todas as Musas, 2022.Por Gabriela Denkwiski
O final do século XIX marcou o surgimento das imagens em movimento, inovação que transformou a forma de representar a vida. Os irmãos Lumière foram os precursores do cinema. Eles inventaram o cinematógrafo, equipamento que captava e projetava as figuras do dia-a-dia. Em 1895, foi realizada a primeira exibição cinematográfica da história.
Duas décadas depois, o cinema chegou a Irati, município localizado na região Centro-Sul do Paraná, que conta com cerca de 59 mil habitantes, segundo o IBGE. A história é contada no livro Cine Central: Entre Imagens e Amores, de Pedro Henrique Wasilewski Almeida, publicado em 2022 e retrata a trajetória centenária do primeiro cinema da cidade: o Cine Theatro Central.
O personagem central da narrativa é Jan Wasilewski, bisavô do autor. Polonês de nascimento, Jan imigrou para o Brasil em 1911, quando tinha 13 anos, em busca de melhores condições de vida. No Brasil passou a ser chamado de João, forma aportuguesada do nome original.
João e sua família se estabeleceram em Irati, cidade que já abrigava famílias polonesas como parte do programa de colonização promovido pelo governo. João era padeiro e aos 17 anos, comprou seu primeiro empreendimento: a Padaria Iraty.
Nas primeiras décadas do século XX, o cinema de rua se tornou uma das principais formas de lazer e socialização. Em 1918, João adquiriu os equipamentos de um cinema ambulante. Inaugurado em 1920, o Cine Theatro Central é considerado o segundo cinema mais antigo do Paraná, ficando atrás apenas do Cine Mignon, de Curitiba, o primeiro do estado.
Imagem 2 – Entrada do Cine Theatro Central, na década de 1970. No primeiro prédio à esquerda, encontra-se a Padaria Iraty

O Cine Central funcionou por 63 anos. Na década de 1970, João foi reconhecido, “[…] pelos sindicatos de indústrias cinematográficas do Paraná e de Santa Catarina” (Wasilewski Almeida, 2022, p. 55) como o exibidor cinematográfico mais antigo em atividade no Brasil. O cinema ficava localizado na Rua XV de Novembro e foi um importante ponto de encontro.
Imagem 3 – João Wasilewski e seu cinema, em 1982

O livro é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso de Pedro, desenvolvido durante a graduação em Jornalismo no Centro Universitário de União da Vitória. Por ser uma produção acadêmica, a obra apresenta trechos com linguagem técnica, o que pode tornar a leitura desafiadora. É possível perceber o profundo carinho e a admiração do autor por seu bisavô. O documentário audiovisual que originou o livro chama-se A História do Cine Theatro Central de Irati.
O livro resgata a memória de quem viveu a época de ouro do cinema na cidade. Entre os principais entrevistados estão Júlio Wasilewski e Pedro Wasilewski Almeida, respectivamente filho e neto de João. Também participam José Maria Orreda e José Maria Grácia Araújo, importantes memorialistas de Irati.
O sentimento comum entre os entrevistados é o saudosismo: lembram com afeto das sessões diárias, das trocas de figurinhas e revistas em quadrinhos antes da exibição dos filmes. A decupagem das entrevistas foi transcrita de forma fiel à fala dos entrevistados, ignorando pontuações gramaticais. Isso torna a leitura menos fluida, pois algumas frases acabam se sobrepondo ou perdendo clareza.
No início, o Cine Central era feito de madeira. Em 1936, o prédio passou por uma reforma e foi reconstruído em alvenaria. A nova estrutura foi erguida ao redor
da antiga, sem interromper as sessões, pois “[…] a população iria ficar muito brava se houvesse alguma paralisação nas exibições” (Wasilewski Almeida, 2022, p. 75). O cinema possuía capacidade para 950 pessoas. Para fins comparativos, o Cine Teatro Ópera, de Ponta Grossa, tem capacidade de 700 assentos no maior auditório.
Em 1983, um ano após a morte de João Wasilewski, o Cine Central fechou definitivamente suas portas. Pedro demonstra preocupação ao destacar que, mesmo tendo sido um dos principais espaços culturais e sociais da cidade, o prédio nunca foi tombado como patrimônio histórico, “[…] por falta de apoio das políticas públicas” (Wasilewski Almeida, 2022, p. 125). Com o tempo, o espaço que abrigou tantas histórias e encontros virou uma loja de eletrodomésticos.
Imagem 4 – Onde antes funcionava o histórico Cine Theatro Central, hoje está instalada a loja Luar Móveis e Eletro. À esquerda, a Panificadora Irati

O principal fator que contribuiu para o declínio do cinema foi a popularização da televisão. No início, os aparelhos estavam ao alcance apenas das famílias com maior poder aquisitivo. Com o tempo, os televisores se tornaram mais acessíveis. Atualmente a televisão enfrenta declínio semelhante, impulsionado pelo crescimento dos serviços de streaming, que oferecem grande variedade de conteúdo. O cinema foi gradualmente perdendo público, encerrando um ciclo marcado por lembranças afetivas e encontros memoráveis.