Por Cultura Plural
Por João Bobato
No coração de uma cidade, uma praça pública evidencia com clareza aquilo que os centros urbanos nos proporcionam. A presença de uma tradicional Igreja Católica, destaca-se como símbolo de fé e de preservação de uma rica história. Porta afora, o templo religioso divide espaço com outras realidades da vida urbana. A sua escadaria – o mesmo lugar que conduz os fiéis ao templo de oração – serve também como palco para manifestações políticas e pedidos sinceros por esmola. Os bancos da praça que, originalmente foram planejados para o descanso e para a convivência, tornaram-se moradias improvisadas de quem não tem onde morar. Os mesmos que dividem residência com bando de pombos, também recebem olhares carregados de julgamento ou desprezo de quem percorre a praça na sua correria cotidiana ou de quem acaba de gastar o seu suado dinheiro nas bancas de jornais indo ou voltando do trabalho. Para quem circula regularmente pelo centro de Ponta Grossa, esta cena com certeza não é estranha. Ela é viva e vista na Praça Barão do Guaraúna, esquina entre a Avenida Doutor Machado e a Rua Balduíno Taques — ou mais popularmente conhecida como praça dos polacos.
Esse é o local que, no dia 11 de janeiro de 1897, teve o seu terreno doado – da Prefeitura de Ponta Grossa – para os imigrantes poloneses, que haviam chegado há cerca de 20 anos no município dos Campos Gerais. Os polacos carregavam consigo o desejo de construir um lugar exclusivo para a celebração da Santa Missa, para a oração e a transmição da Fé Católica para quem já habitava o município princesino. A primeira igreja dos poloneses foi erguida logo no ano seguinte – em 1898 – e foi dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. O nome é mantido até hoje, no entanto o lugar ficou popularmente conhecido como “Igreja dos Polacos”.
No ano de 1928, a igreja passou por uma grande reforma. O novo templo, construído no estilo gótico, carrega consigo não apenas traços arquitetônicos da época, mas a preservação de crenças, tradições e devoções até os dias de hoje. Mesmo se passando mais de um século da sua construção, ainda é possível identicar traços que se mantêm desde a fundação da Igreja dos Polacos: da oração silenciosa dos fiéis que participam da missa diária, sobretudo aos domingos à devoção especial à Maria — mãe de Jesus —- no título de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento e a São Pedro Julião Eymard, fundador da Congregação Servos da Santíssima Eucaristia (SSE), que administra o santuário desde 1979.
Quem visita a igreja vê padres que preservam o hábito da utilização da batina e que flertam com tradições pré conciliares; adoração ao Santíssimo Sacramento durante o dia todo e o Sacramento da Confissão, realizada diariamente. Esse carisma da fé católica é preservado e carrega um tom solene que ainda atrai muitos fiéis. É como se o tempo, dentro daquele santuário, estivesse parado há séculos, cultivando a raiz cultural que moldou gerações da crença católica até chegar aos dias atuais.
Porta a fora, a tradição, o silêncio e a oração dão lugar às demandas da sociedade que parecem sufocar quem acabou de sair da ‘Casa de Deus’: o cheiro desagradável e a presença de pessoas em situação de rua que imploram por uma moeda. Os vendedores ambulantes tentam ganhar trocados para alimentar a família ao fim do dia. Donos de bancas de jornal que resistem ao extermínio da leitura impressa recorrem a venda de balas, cigarros, revistas, doces e sorvetes para garantir o sustento. Mesmo com tanta gente todos os dias em uma praça, ainda sobra espaço para uma categoria: a dos manifestantes.
Descontentamento contra os dois últimos ex-Governos Federais (Temer e Bolsonaro). Protesto pelo fim da escala 6×1. Conscientização contra o abuso infantil. Revolta contra o Projeto de Lei nº 1920/2024, o famoso PL do aborto. Insatisfação contra o Projeto Parceiro da Escola. Esses foram os resultados de uma breve pesquisa na fraca memória deste mero crítico, que apresenta alguns exemplos de manifestações que ocorreram em frente à Igreja dos Polacos nos últimos anos. É nítido que aquele espaço — especialmente a escadaria — tornou-se mais do que um lugar de oração, é também um território simbólico de disputa e busca por reivindicações políticas e sociais.
É fato que a Igreja Sagrado Coração de Jesus é a principal atração da praça Barão do Guaraúna e que a beleza interior do templo e dos ritos encanta quem a visita. Porém, o entorno dela expõe uma realidade sombria e fragilizada. Carrega consigo um cenário de pobreza, descaso, resistência e de luta. Quem a transita diariamente, percebe o contraste entre o silêncio do templo religioso e o barulho das urgências urbanas.
Fica nítido que, apesar das raízes polonesas, a praça Barão do Guaraúna possui muitos frutos pontagrossenses. Ou melhor, frutos de uma sociedade violenta e injusta, na qual o poder público é incapaz de proteger os mais vulneráveis, mas que não é uma exclusividade da Princesa dos Campos.