Por Cultura Plural
Por Daniel Klemba
Construída em 1926 como símbolo do progresso e refinamento burguês da época, a Mansão Vila Hilda se mantém até os dias atuais, como uma das construções mais emblemáticas de Ponta Grossa e região dos Campos Gerais. No entanto, sua trajetória revela muito mais do que um passado histórico e glamuroso: reflete o modo como o Brasil, em especial cidades de médio porte, lidam com seus patrimônios históricos. Entre períodos de abandono, reaproveitamentos improvisados para demais estruturas governamentais e um recente esforço de restauração e preservação, a Vila Hilda mostra o abismo frequente entre o que se tomba como memória oficial e integra, de fato, à vida da cidade.
O empresário de renome e proprietário da Cervejaria Adriática, Alberto Thielen, foi o construtor do casarão histórico. A mansão foi batizada em homenagem à esposa do empresário, Hilda Thielen. O edifício localizado na rua Júlia Wanderley, esquina com a Coronel Dulcídio, no Centro da cidade possui dois andares, com aproximadamente 600m² de área construída, tem em sua apresentação um eclético e moderno para época projeto arquitetônico que mescla elementos neoclássicos e art nouveau, com destaque para colunas, janelas e pinturas que retratam paisagens e motivos europeus, além de paisagens locais, de autoria do artista alemão Paulo Wagner. Durante a construção o casarão foi uma demonstração de não apenas um status social, mas também de inspiração cultural da estética européia, do início do século XX.
Porém o tempo quase sempre implacável com o que não é lembrado com cuidado e carinho, foi transformando a mansão em símbolo de negligência e desatenção cultural. Depois da morte de seus proprietários originais e desinteresse dos herdeiros, o casarão
ficou um grande período abandonado, passando inclusive por associações à lendas urbanas, com aparições de uma figura infantil em uma das janelas da sala de estar, registrada em uma fotografia da década de 1990.
No ano de 1999, a Mansão Vila Hilda foi escolhida para ser capa da Lista Telefônica da região Sul do Estado do Paraná. A casa recém inaugurada depois da sua longa e trabalhosa restauração, a nova sede da Fundação Cultural passou a ser um cartão postal da cidade, e nos anos seguintes ficou aberta para serviços administrativos e para visitação do público. O encanto dos visitantes com o enorme pé direito e detalhes arquitetônicos e seus mistérios eram comentados por todos na época. O imaginário popular, ao longo do período em que a casa permaneceu fechada, levantou a hipótese de um fantasma viver pelo casarão.
Ao começar a distribuição das listas telefônicas, um detalhe próximo à porta de entrada da Mansão surpreendeu até mesmo os próprios editores. O assunto se espalhou pela cidade, e mexeu com a curiosidade da população, a pergunta que mais circulava pelo município era quem é o fantasma da Villa Hilda? Existiam muitas suposições e especulações. Funcionários do prédio relataram já ter ouvido sons na sala de estar. A respeito do boato sobre o “fantasma” presente na fotografia, foi explicado que era o filho de uma das zeladoras, que estava na mansão naquela data para abrir as portas aos editores e fotógrafos. Mas também existem pessoas que confirmam o fantasma que perambula pelo casarão. Esse é um dos maiores atrativos para a visita de estudiosos de paranormalidade, pesquisadores e curiosos. O episódio alimentou a criação do personagem folclórico Hildinho, o fantasma-residente que garantiu à mansão um lugar no imaginário popular.
Reprodução/BNT
É curioso e sintomático mesmo, né? Um dos patrimônios arquitetônicos mais valiosos da cidade se tornou conhecido por suas assombrações e não por sua história real. Isso revela muito sobre como o espaço urbano e cultural brasileiro tende a representar o passado como mistério, sem transformá-lo em mostra ativa de educação, turismo e principalmente
histórica, já que no próximo ano a mansão completa um século de existência. Durante mais de meio século, o casarão estava sem função, manutenção e reconhecimento popular.
Em 2023, esse ciclo começou a se romper e a Mansão Villa Hilda passou a abrigar o Museu Municipal Aristides Spósito, dando utilidade à altura da importância do casarão para a cidade de Ponta Grossa. O museu possui acervo que inclui objetos históricos, fotografias, documentos históricos e itens do antigo Museu Época, possibilitando uma rica narrativa sobre a trajetória urbana e cultural. A entrada no interior da casa, que possui a restauração da pintura e distribuição de móveis da época, permite que a visita seja uma viagem ao passado, um local único e original.
A reabertura da mansão como museu é um passo relevante, mas não final. A visita ao local ainda é marcada por limitações de acessibilidade, horários e baixa divulgação, deixando evidente que deveria ser feito. A cultura não vive apenas de histórias, ela precisa de programação ativa, mediação educativa e principalmente circulação de público, além de narrativas urbanas contemporâneas, algo que ocorre nas apresentações de corais espalhadas pela casa. Entretanto as apresentações acontecem em poucas datas no ano.
Outro ponto diz respeito à visibilidade fora do município. Mesmo com seu valor histórico a Mansão ainda é pouco conhecida no cenário estadual. Isso contrasta com o potencial que o casarão possui para se tornar um pólo de turismo cultural, capaz de dialogar com outras iniciativas regionais capazes de atrair visitantes.
A crítica não se dirige à edificação, já que as qualidades arquitetônicas e valor simbólico são inquestionáveis, mas sim ao ritmo com que a sociedade reconhece, investe ou resgata seus patrimônios. A Mansão Vila Hilda, como outras casas históricas, foi deixada de lado por décadas, enquanto se demolia o passado em nome de um progresso nem sempre planejado. Apenas recentemente começou a ser tratada como merece.
O que se pode destacar é a resistência da Vila Hilda contra o abandono, o esquecimento, o mofo do tempo e o silêncio do poder público. Atualmente, ela abre suas portas não apenas ao museu, mas como metáfora de um Brasil que precisa aprender a respeitar sua história com ações comprometidas.