Por Vinicius Orza
Por Vinícius Orza
O 37° Festival Universitário da Canção (FUC) levou ao palco do Grande Auditório do Campus Central da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) doze músicas no último sábado (14). O espaço da Universidade foi escolhido para sediar a edição deste ano devido a reformas recentes no Cine Teatro Ópera, além de resgatar as origens do evento que havia se iniciado no mesmo local em 1980, ano da primeira edição. “Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar”, frase eternizada pelo músico Zé Ramalho, foi usada como slogan durante a divulgação do evento.
A noite teve início com a apresentação da vencedora da edição anterior do FUC, Lorinezz, que cantou “Relato da Maria”, música que foi condecorada em 2024 com o primeiro lugar da competição e o prêmio do Júri Popular. Em seguida, a canção “Ontem, Hoje e Amanhã”, com composição de José Ruiter Cordeiro e interpretação de Cecília Ribeiro, reviveu o passado. A música havia sido apresentada décadas atrás no mesmo palco, em 1983, pela própria mãe da artista, conquistando o segundo lugar naquele dia, além do prêmio de melhor interpretação.
Durante o evento, a organização destacou o fato de o Festival ter se tornado um patrimônio imaterial de Ponta Grossa em 2024. O troféu e a cenografia do 37º FUC foram confeccionados com as técnicas do artesanato em palha, fruto da parceria entre o projeto Palha de Ponta, a Casa do Artesão de Ponta Grossa e a professora de Artes Visuais da UEPG, Adriana Suarez. O DJ Johnny Freitas animou os intervalos entre as apresentações em mais um ano, ao celebrar a musicalidade plural do país por meio da mistura de timbres brasileiros com elementos eletrônicos.
No total, 49 músicas foram inscritas e passaram pelo processo de curadoria – realizada por Janine Mathias (Curitiba/PR), Téo Ruiz (Curitiba/PR) e o Maestro Nelson Lopes (Palmeira) – que selecionou as 12 que seriam apresentadas. O júri responsável por julgar e definir os vencedores da noite foi composto pelos músicos Rogéria Holtz (Curitiba/PR), Luiz Fernando Diogo (Curitiba/PR) e Julia Klüber. Julia relembra com nostalgia o ano de 2018, quando se apresentou no festival. “Nos dá empatia por quem vai se apresentar e é uma forma de ser mais sensível”, relata. Sobre o processo de avaliação, ela observa: “é muito difícil de avaliar a arte, mas a sensação e o quanto ela nos toca acabam sendo fatores na hora de dar a nota”.
Apresentações musicais
A recém-nascida banda de shoegaze pontagrossense, Ultraleve, envolveu o público com a primeira apresentação da noite. Uma sonoridade etérea com quebras de ritmos e muitas influências do rock alternativo foram mesclados aos vocais suaves da vocalista em consonância com aqueles de fundo que encorparam a música. Apesar do imprevisto de uma corda do baixo ter estourado e interrompido a banda, os integrantes não deixaram em momento algum a energia cair. O guitarrista e compositor, Adryan Rosa, conta que a música surgiu como uma forma de recomeçar após um momento difícil de sua vida “Foi uma forma de poder ver algo novo e ser feliz de volta”, declara.
Inspirações: Radiohead, my bloody valentine e Slowdive.
A banda Chave de Mandril trouxe as brasilidades que compõem a diversidade musical e cultural do país na música “Du Pará ao Paraná”. O conhecido grupo das ruas e festivais de Ponta Grossa aposta em melodias orgânicas, com influências de gêneros típicos brasileiros que mesclam e homenageiam o samba e o forró. O vocalista e compositor, Rômulo André, relata que a música estava originalmente engavetada há cerca de sete anos, mas foi finalizada em dupla com o outro compositor, Rafael Gadeia. “Foi a visão dele enquanto uma pessoa que veio de fora, junto da minha, juntando assim as duas culturas”, conta.
Inspirações: Tom Zé, Russo Passapusso e Jards Macalé
Os curitibanos Talside e Juliano compõem a dupla que carrega o típico sertanejo acústico do Paraná na melancólica “Dói Demais”. Em sua estreia no festival, os músicos celebram os primeiros dois anos da parceria, e um recente lançamento de single autoral nas plataformas digitais de streaming. A composição descreve a loucura que é permitir o amor, apesar das dificuldades e dores que isso pode trazer.
A parceria que une calouros e veteranos do FUC, Crazy Sunshine, acalenta as almas transtornadas na composição inédita que haviam guardado para o Festival, a “Em Cada Palco Um Renascer”. A bateria ritmada cria um groovy que potencializa o timbre marcante da cantora, destacando-se em meio à sonoridade influenciada pelo rock. A canção ainda serve como uma homenagem ao próprio ato de ser um músico, que consegue encontrar paz e felicidade nos momentos mais difíceis da vida através das composições e momentos íntimos com as melodias.
O veterano do FUC e tricampeão na categoria de Melhor Intérprete, Eulimo, retorna aos palcos na nova tentativa de conquistar a plateia e o primeiro lugar do festival. A canção “Nas Esquinas” desabafa sobre as injustiças vividas pelo eu lírico que sonha com uma sociedade livre de sofrimento e preconceitos. Eulimo conta que a inspiração para a letra surgiu de suas amigas transsexuais e da forma como observava que elas tinham que se marginalizar pela falta de oportunidades de emprego e moradia. “Foi a forma mais forte que eu encontrei de trazer essa mensagem”. A performance contou uma simbologia, que é descrita pelo artista: “aquela capa que eu usava e tirei para mostrar as feridas que estavam por baixo simboliza o corpo morto de uma pessoa trans que não se identificava consigo mesma, e essa foi a forma mais visual que eu encontrei para mostrar isso”, diz.
Inspirações: PRISCILLA
Com apenas 18 anos, a cantora e compositora Duda Vaz dançava pelo palco com uma leveza que escancara a autoconfiança sobre suas capacidades vocais e performáticas. A harmonia de ideias musicais na parceria com Carlos Jesse Lourenço destaca a força da composição autoral, “Uma Linda Mulher”. Ela lembra que já tinha o interesse em criar uma música específica para o Festival desde o ano anterior, e aproveitou a oportunidade para dar destaque a temas que acha pertinentes de serem discutidos, como a feminilidade e a comparação entre o corpo das mulheres. “No dia ela veio e saiu de uma forma extremamente natural quando eu estava me sentindo mal pelo meu próprio corpo e minha aparência”. A estreante ainda afirma que a sensação de estar no palco é gostosa e se sente feliz em poder dividir o espaço com outros artistas.
Inspirações: Adele
Stanley é veterano de duas décadas da cena do hip hop da cidade, e tem grande influência neste movimento cultural e social que conscientiza a população por meio de letras políticas repletas de vivências pessoais. A impactante “Renascer”, interpretada em conjunto com os músicos da Banda Rugas, exalta a liberdade e apreço pela vida apesar das adversidades enfrentadas no cotidiano. O acadêmico de Letras da UEPG conta que a ideia para a música surgiu de forma natural, e que ele compõe a todo momento. “Eu já tinha o refrão, mas é algo inexplicável e sentimental, pois eu transcrevo o que surge na minha cabeça, às vezes até na hora”, finaliza ao dedicar a composição ao rap.
Inspirações: FBC
A campeã da edição passada, Lorinezz, retorna com mais uma forte composição e vocal inconfundível que marca sua presença na história do evento. O instrumental de “A Dor que Eu Carrego” acompanha a força confessional da letra que escancara o racismo estrutural enraizado na sociedade. Ela conta que a ideia da música surgiu logo após sua apresentação no FUC anterior. “Eu escrevi por conta de muitas vivências racistas que eu sofri desde o final do ano passado e queria que as pessoas ouvissem essas minhas dores”. Um vestido ensanguentado e algemas nos pulsos compuseram o figurino da apresentação da artista que disse ter vindo mais preparada para essa edição. “Claro que a gente fica nervosa, mas pela vivência dos outros anos e de saber como funciona acaba sendo mais tranquilo”, conclui.
Inspirações: Maria Bethânia
O veterano de festivais que carrega consigo 15 participações no FUC e que teve sua estreia na edição de 2003 no mesmo teatro, Cláudio Farias, retorna para cantar uma música consagrada de seu repertório. Na acústica “Rancho da Espera”, ele entrega uma canção com mais de 40 anos de história, que foi composta para sua esposa quando haviam se conhecido em meio às idas e vindas do amor. Apesar do clima melancólico da letra, ele descreve com orgulho ao lembrar dos encontros e desencontros que ele e a amada já enfrentaram juntos. Apesar das outras participações no evento, Cláudio defende que o sentimento e o nervosismo são os mesmos das outras vezes. “Se perder a emoção perde a essência, pois o que move o artista é essa adrenalina de estar no palco”, afirma.
Inspirações: João Bosco e Vander Lee
Silvana Innani se diverte em sua estreia no Festival repleta de carisma e samba que celebra os timbres brasileiros e se unem na construção da canção apresentada. A interpretação de Fabrício Cunha e o bom humor característico da cantora dão vida à autoral “Gargalhei, Gargalhei”, canção que enaltece o sentimento de encarar a vida com leveza e rir apesar das adversidades enfrentadas. A composição autoral foi inspirada nas histórias contadas para ela, quando era adolescente, pela avó, e foi resgatada para mesclar ao instrumental característico. “Toda história boa rende samba”, diz, e ainda demonstra um otimismo sobre a participação: “Eu estou aqui para me divertir, e acho que o mais importante é ter alegria e entrega, o resto a gente corre atrás”, conclui.
Inspirações: Alcione, Agepê, Clara Nunes
Após uma dedicação às diversas árvores que fizeram a felicidade em sua infância, Ugo e sua banda esbanjam personalidade em uma apresentação que mescla elementos de música acapella e jazz. A denúncia contundente de “Ar Condicionado” é clara à destruição do meio-ambiente, que escancara a mensagem através de vozes que imitam o som de cortes de árvore por serrote e uma criativa interpolação de “Que Som É Esse?” em referência ao descaso diário com a flora do país. Ugo conta que a ideia da composição surgiu de uma memória que teve das árvores frutíferas de sua antiga casa, que hoje foram derrubadas e se tornaram cinzas. “É uma brincadeira, mas ao mesmo tempo um alerta irônico para o pessoal se ligar a essas questões ambientais”, defende.
Inspirações: Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Jards Macalé.
Por fim, o curitibano Mauro Cury finalizou as apresentações da noite com a acústica “Amores Líquidos”. O vocal suave do cantor acompanhou a letra, que traz consigo recordações de um passado e reflexões trazidas por momentos de nostalgia. O clima agridoce da canção mescla uma composição que enaltece o saudosismo e as lembranças de um tempo longínquo que já não pode mais ser vivido.
Grupo convidado
As apresentações da noite foram encerradas pelo grupo convidado Viola Quebrada, que resgatou músicas presentes no imaginário do povo brasileiro. O estilo caipira acompanha as melodias com um carisma que conseguiu captar a atenção do público. O grupo, formado em 1997, lançou seu primeiro disco homônimo em 2000 e, desde então, manteve-se na ativa até os dias atuais, tendo inclusive recebido a indicação em 2017 para o Prêmio da Música Brasileira como Melhor Grupo Regional.
Premiação
Confira a seguir os grupos e artistas premiados no 37º Festival Universitário da Canção.
Júri Popular:
Chave de Mandril
Melhor Letra:
Stanley e Banda Rugas
Melhor Intérprete:
Eulimo
3º Lugar:
Cláudio Farias
2º Lugar:
Stanley e Banda Rugas
1º Lugar:
Eulimo