Faço carinho em um cachorro
divido com os outros dois,
cuidar de três cães exige muito carinho,
um afago extra,
um desdobrar-se na alegria,
um doar-se na paixão,
fazer dos ossos
coração.
E nesse fluxo inconsciente
eu me lembro
do início da nossa família,
como erguer uma Macondo
no meio dos charcos,
estudar, aprender, firmar compromissos,
olhar, escutar, ter paciência.
E já por muitas batalhas
a nossa vila já passou,
manteve-se firme,
cada vez mudada um pouco,
corrigida, consertada.
Erguer um novo prédio,
derrubar um antigo,
concessões.
Construir uma sociedade
demanda compaixão,
gasto de energia,
abraços, carinhos,
sonhos partilhados,
um eterno remendar e se emendar,
carinho no infantil interior,
força, desejo, perdão.
Construir é sempre mais fácil.
Na falta de uma sala,
a gente repõe com outra.
Difícil é sobreviver
às demolições,
ver seus móveis sendo despedaçados,
suas certezas tímidas em um canto
do armário
entre as coisas que serão doadas.
Difícil é perceber os próprios erros,
onde somos faltantes,
onde somos desnecessários.
Em especial é difícil
lidar com a falta da necessidade,
com a liberdade, com o passado.
O amor nasce e se estabelece
quando providos de sorte,
mas ele morre se não regado,
morre se desafiado demais,
morre se não lhe olhamos nos olhos,
e jogando na defesa
falamos da falta do tempo,
das dificuldades da rotina.
Fazer amor
é mais fácil que ser amor,
e cuidar das feridas que causamos
sem tentar fruir de explicações,
sem erguer paredes e muros,
sem atacar e ofender.
E se passado todos esses passos,
todos esses planos,
todos esses anos,
você ainda quiser
estar aqui,
eu me remendarei novamente
e serei amor,
estarei entregue e feliz,
como um louco derrotado
pela sua loucura,
como um quebra-cabeça difícil
que sempre quis ser solucionado,
e serei eu,
de novo.