Quando vem o amor
reconheço-o como falho,
uma mistura da busca da completude
e o afago do narcisismo,
um olhar para o ideal,
uma sensação imediata
de saciar o insaciável,
de calar o que não se cala,
é o tentar ser total,
caminhar nas nuvens,
e a isso chamamos paixão,
um broto de amor.
Mas por que ser falho
se propõe o fim da falta?
Porque não há como.
Porque o amor não nasceu para isso
nem se regozija na perfeição.
Por isso a paixão é o broto,
apenas uma proposta,
um vir a ser ou deixar de ser.
Ela se alimenta nas nossas psicoses,
nas invenções que criamos.
Percorre todo imaginário,
mas não se sustenta,
pois a perfeição não existe
e nem deve existir.
A perfeição é a morte.
Porém, se o amor quando broto
consegue escapar do campo do perfeito,
quando consegue descer do pedestal da falta,
quando se desfaz da sua função narcísica,
ele consegue enfim florescer.
E nos olhos que antes pareciam cegos
se encontram a pessoa amada,
como quando conheci Letícia.
Essa transformação envolve o reconhecer-se falho e também se reconhecer na falta,
mas sem atarefar o outro como salvador,
envolve reconhecer a finitude das coisas
para poder percorrer em boa companhia.
E olhar para o outro
não como quem olha a um espelho,
mas como quem pode ser desejado
por não conter, por não estar contido,
por poder ir além.
Muito fácil seria
despejar sobre tal amor
as minhas dificuldades,
o meu medo da solidão,
a minha falta de coragem,
minhas incertezas tantas.
E o ciúme reinaria
no medo da falta,
seria então razoável
erguer uma muralha,
algo que protegesse o amor
do mundo,
e de mim,
uma grande gaiola
que mata o seu pássaro aos poucos
na solidão.
Entretanto, aqui estou,
frágil,
apavorado,
apenas aguardando seu alvorecer.
E se por sorte
aqui o amor me encontra,
dou-me por inteiro,
não por me alimentar da mais absoluta coragem,
mas por não ser outra a coisa além disso.
E se me encontro no amor,
não estou mais perdido ou mais achado que antes,
nem sequer posso encontrar um caminho melhor,
ou fugir da final solidão,
mas estou bem acompanhado,
apoiando a sua mão.