Caminho na sacada
tentando recobrar o que é o viver,
caminho como quem nada procura
e nada pode achar,
são apenas os fios ligados pela vida.
Caminho e paro,
deparo-me com a imensidão da cidade,
seus altos prédios
feitos por pessoas pequenas,
mas com a mente tão grande quanto o impossível,
caminhos infindos, possibilidades,
razões.
Olho a rua cheia de carros,
e dos carros brotam buzinas, luzes, movimento,
tudo está alheio, tudo funciona, ou não,
como exatamente deveria ser.
Tons pintados de vermelho anunciam o fim da tarde,
anunciam a correria da vida
a vontade de ser imediatamente
e imediatamente deixar de ser.
Olho o dono do bar abrindo as portas do bar,
penso que não há nada mais importantes, ou inútil, a se fazer,
pois todas as coisas são inúteis, e importantes, na mesma proporção.
E o homem se encontra parado,
como se os meus pensamentos não fossem importantes, ou inúteis, o suficiente para ele,
fita a rua, e o futuro,
como a passagem dos carros em um caos orquestrado, como as poucas estrelas visíveis daqui, como os bêbados, os bêbados…
Sabe o dono do bar que as coisas são todas fluídas,
como o trânsito, a bebida, a tristeza, os olhares e até os caminhos;
menos a morte.
A morte é uma estacada firme no peito, um estampido final, um rio que seca, um último abandono, o fim de um tango…
E os meus olhos acompanham seus pensamentos, ou meus delírios de seus pensamentos, não que isto faça grande diferença,
tão pequeno e ao longe, mas tão perto no mesmo instante.
Observamos os carros passar, eu escondido no alto, como quem se esquiva da solidão, ele lá embaixo, como quem traz sua solidão para a rua escancarada,
e em certo momento do que virá,
deixará ele a porta do bar, deixarei eu os versos,
e depois deixaremos a vida, encontraremos a morte,
e não existirão mais o bar e os versos,
e mesmo os carros serão deixados, e as ruas,
e a cidade como conhecemos.
Depois de muitos anos o planeta se extinguirá
onde existiram poemas, portas, carros, ruas e cidades.
E em qualquer lugar distante existirá algum tipo de gente,
fazendo algo como versos e abrindo portas como de bares,
Sem se importar com o que fui ou serei.
Subitamente cruza meu horizonte um grande urubu,
o estranho cidadão curitibano,
o que rasga os céus
e desafia os olhares,
sem medo do amanhã,
o que aterroriza os outros cidadãos.
A excêntrica cena se torna objeto de admiração,
os vizinhos reconhecem o bicho como estranho
e o comemoram com toda estranheza da natureza.
Quando deixamos de participar de tal festa?
Tudo isso me distraiu do caminho inicial,
aquele sem razão,
aquele sem procura,
aquele sem caminho.
A casa que sou para minha mente
é o lar possível,
e o impossível, quem sabe, o meu lar,
pois não entendo até onde podem caminhar meus sonhos
ou meus pesadelos,
e talvez faça parte de mim nunca saber.
Será esse meu medo final?