Já sonham as almas lá fora?
E mesmo que do miolo da cidade
não escuto mais que o silêncio,
e alguns carros que ainda teimam
em desordenar a calmaria.
Mas e se soubessem o tempo que falta?
Mas e se soubessem a vida que sobra?
(E do vazio do escuro
vem a respiração que afaga,
pois que toda presença para mim é carinho
e é tentador existir neste momento, aqui).
Há caminhos que não posso ver aonde levam,
e não seriam assim todos os caminhos?
Por mais que eu saiba, ou ache que sei,
nunca estou totalmente seguro de aonde vou.
Mesmo vivendo do alto da minha sensatez tão fingida,
eu que sinto tudo e ainda zelo de mim,
que trago o peito aberto
mesmo fingindo máculas não portar,
não, não reconheço os caminhos,
não entendo as estrelas,
não consigo ler os mapas,
e mesmo assim não me sinto perdido,
tampouco achado,
algumas vezes sendo difícil até sentir
ou deixar de sentir a qualquer momento.
A vida é o vazio
permeado pela ausência,
mas eu luto tanto…
Lembro-mo do sentimento familiar,
do relógio marcando suas duas batidas,
das árvores cantando no quintal,
do ranger da madeira,
do amor e do medo,
da ausência e do aprendizado.
Mas aqui só posso ser quem sou,
por mais que isso não diga nada,
que isso não queira dizer nada,
que isso não possa dizer nada,
porém, é tudo que tenho para dizer.
As alamedas são os estreitos
por onde os sentimentos passam,
apertando-se contra nossos receios,
tentando tapar qualquer buraco,
corrigir qualquer mal entendido
que foi tão bem entendido,
tentando afastar com força
o que tanto puxamos para perto,
carinhar com raiva,
chorar por alegria,
deitar sem sono,
cair por querer,
andar, correr, morrer…
Essa fraca luz no escuro total
parece muito que sinto,
uma fraqueza crônica,
um cansaço,
por que luto tanto?
Luto pois nasci para isso,
luto desde o primeiro choro
ou os vinte dias de sofrimento,
luto e sofro as consequências de sonhar,
luto quando morrer,
mas viverei sempre no que aprendi,
e ensinei, e sorri, e apertei contra mim
desejando que nunca saísse,
e naveguei, e me passei até,
e tentei de volta, e marejei os olhos
como se fosse novamente a primeira vez,
e sorri de volta, e nunca deixei de sorrir,
e nisso tudo eu também fico,
mesmo que esteja sempre partindo,
mesmo que sem volta,
mesmo sem querer voltar,
e me vou, sem rumo,
esse é o meu rumo.
(Cofio a barba, é sempre um jeito interessante de tentar recobrar o pensamento).
E quando faltar menos tempo,
eu viverei como hoje?
Sinto que sim,
já que não sei o tempo do relógio,
já que falta o cuco pra avisar,
já que é tudo o que sei
e o que eu não sei.
Um último pensamento,
a noite passageira,
o amor,
os cães deitados sobre a colcha,
o agora.