Por Cultura Plural
Em 1963, o cineasta brasileiro Glauber Rocha lançava o filme ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’. A produção, que conta um pouco da vida no sertão nordestino, nos tempos do cangaço e do fanatismo religioso, chegou a ser aclamada como maior filme brasileiro de todos os tempos. No domingo, 12/11, o grupo ‘Cia Provisória’ assumiu a enorme responsabilidade de representar a história, como peça de teatro, nos palcos do 40º Fenata.
A trupe encenou a peça em um cenário vazio, entre paredes, em que fulgurava, sem brilhar, um grande sol desenhado. Os 11 membros do grupo compuseram o espetáculo de maneira extremamente artística. Dois músicos, sentados à frente do palco, executavam a trilha sonora e cederam um caráter de musical à peça. Os outros nove deram um jeito de fugir do teatro corriqueiro mesclando cenas e atuações vibrantes, dançadas, arrastadas e explosivas, com falas aparentemente soltas e descompassadas, que se complementam umas às outras. Todos os atores alternavam entre um papel fixo e um secundário, que servia para preencher o cenário vazio, como povo cantante e dançante.
A peça é recheada de referências culturais e históricas do nordeste. Retrata vidas marcadas por pobreza e religiosidade, em que o conflito entre bem e mal – Deus e Diabo – é indefinido e a luta pela sobrevivência é constante. O enredo conta a vida do vaqueiro Manuel que, em defesa de seu orgulho, dignidade, ou qualquer coisa que o valha, mata um coronel que tenta extorqui-lo. Perseguido pelos homens do coronel, Manuel foge com sua mulher, Rosa, e, no desespero, se une ao grupo do líder religioso Santo Sebastião.
O “Santo” cria um movimento rebelde de fanáticos religiosos, com a promessa de uma terra santa, farta e justa. Uma referência clara aos movimentos sebastianistas, que ganhavam força no nordeste da época e se caracterizavam pelo ideário de combate ao sistema e pelo fanatismo religioso extremista, cheio de promessas de salvação e exigências de derramamento de sangue.
Na peça, Santo Sebastião morre pela mãe de um dos seus e o assassino, Antonio das Mortes, contratado por senhores de terras, extermina o resto do movimento. O matador é uma figura peculiar, dotado de um código moral bem particular. Ele acredita que seu trabalho é uma missão em favor do povo do sertão. Manuel e Rosa sobrevivem à matança e seguem um caminho comum ao nordestino sem rumo da época. Unem-se ao cangaço.
Assim, entra na história a célebre figura de Curisco, ex-membro do bando do falecido Lampião e procurado por Antonio das Mortes. Depois de alguns dias de caça, o assassino os encontra e, no momento derradeiro, o gangaceiro morre gritando que “mais fortes são os poderes do povo”. Manuel foge em direção ao oceano e morre sem olhar para trás, seguindo sempre Santo Sebastião, que disse que “o sertão vai virar mar”. O espetáculo encerra ao som da canção que diz: “A terra é do homem, não é de Deus e nem do Diabo”.
Reportagem de Rubens Anater2