Por Lilian Magalhães
Ao terminar o relacionamento, Clementine decide passar por um procedimento que apaga memórias como tentativa de esquecer Joel, seu ex-namorado. É o que nos conta a história do filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004, direção de Michel Gondry), principal inspiração para o novo álbum de Ariana Grande, “Eternal sunshine” (“Brilho eterno”, em tradução do inglês). O disco, cuja capa nas plataformas de streaming ilustra a cantora descansando no próprio ombro, não possui colaborações com outros vocalistas. Assim, ouvimos pela primeira vez o que a cantora deseja contar sobre um ano que envolveu seu divórcio, o retorno à carreira de atriz, seu distanciamento das redes sociais e, por fim, um suposto novo relacionamento reportado por tablóides.
Apesar de estar comprometida com a promoção do filme “Wicked” (2024) – e isso inclui aulas com fonoaudióloga, o que refletiu na melhora da dicção da atriz e cantora, algo que sempre foi pautado ao longo de sua carreira – Ariana utilizou o tempo de pausa nas gravações com a greve do Sindicato de Atores Americanos (SAG-AFTRA) para produzir seu sétimo álbum de estúdio em meio a polêmicas recentes envolvendo sua vida pessoal, mais especificamente, seus relacionamentos amorosos. Com uma carreira na música que completa 11 anos em 2024, Ariana passou a trazer composições voltadas aos gêneros R&B, trap e pop que intercalam histórias entre si a partir de “Sweetener” (2018) e “Thank u, next” (2019). O penúltimo álbum, “Positions” (2020), é mais um capítulo que nos leva ao novo lançamento da cantora.
Em “Eternal sunshine”, Ariana não tem como objetivo se fazer entender, apenas encarar a sua verdade da história. Entre “Bye”, “True story” e “I wish i hated you” há versos que indicam a dificuldade em parar de amar alguém que a magoou, preferindo esquecê-la a odiá-la, com versos diretos sobre o assunto. Arrisco dizer que há até uma leve monotonia nas músicas de curta duração. Mas estamos falando de Ariana Grande, então é claro que seguimos de uma faixa disco alegre celebrando o amadurecimento, para outra pop ballad sentimental que transmite exatamente o que o conceito de “Eternal sunshine” quer passar na sua construção como experiência em um certo estilo de storytelling.
Os singles, acompanhados de clipes, utilizam a ambiguidade do destinatário das músicas. No pop “We can’t be friends (wait for your love)”, certamente mais comercial que as outras faixas, o vídeo é uma interpretação em versão curta de “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, repetindo o refrão “Você se apega aos papéis e canetas / E eu espero você gostar de mim de novo”, deixando uma indicação, mesmo que subjetiva, de que a letra é tão direcionada à mídia quanto ao seu ex-esposo, algo que é explícito no clipe do single de lançamento da era, o house music “yes, and?”, que marcou o retorno ousado de Ariana acompanhada de uma coreografia vogue e versos defendendo a sua personalidade, “Não me esconderei nas suas projeções / Nem mudarei minha vida mais autêntica”.
As faixas seguintes são a especialidade da cantora, com destaque para o pop-R&B “The boy is mine” com alterações de tempo e interpolação ao clássico dos anos 1990 de Brandy e Monica, a acústica de “Imperfect for you” e uma receita impecável de “Ordinary things”, um R&B com elementos de trap e melodia nostálgica, com ainda mais referências ao seu primeiro álbum “Yours Truly” (2013). O álbum chega ao fim com uma gravação da avó de Ariana respondendo ao primeiro verso: “Como saberei se estou no relacionamento certo?” “Se você não se sente confortável para dar um beijo de boa noite sequer, está no lugar errado”, diz a avó.
Apesar de ter deixado claro em entrevista recente que não pensa em promover uma turnê tão cedo, Ariana prometeu explorar essa era por meio do audiovisual, o que faz total sentido dentro da proposta do disco. Em meia hora de álbum, reconhecemos a cantora em um estilo musical confortável para ela, mas com uma entrega de versos mais humanos e emocionantes, conquistando o público pela facilidade em se relacionar com as letras. Então, “Eternal sunshine” é uma mensagem que só nos basta ouvir como um desabafo de uma diva pop que não quer ser vista como intocável.