Por Manuela Roque
Entre os dias 20 a 23 de abril, o Grupo de Teatro de Ponta Grossa (GTPG) apresentou, no palco do Cine Teatro Ópera, a peça “Todos os Nós”. A produção, adaptada de um texto teatral do atual secretário de Cultura do município, Alberto Portugal, conta sobre a vida na cidade, como se ela se resumisse a uma única praça e aos moradores que a frequentam.
A peça inicia com a chegada de Berê, um “piá” do interior que veio estudar em Ponta Grossa. É a partir deste evento que os espectadores conhecem os moradores que ocupam a praça da cidade. Interessados em saber mais sobre o rapaz, a praça começa a encher de personagens e também de histórias a serem contadas.
O roteiro é composto majoritariamente por expressões e vocabulários regionais, abrindo com a seguinte frase: “Veja só! Esse caipora veio morar na cidade princesina, vai bizoiá os outros no meio da praça e vai encontrar um povaréu tipicamente ponta-grossense. Desse lusco-fusco todo surgirão histórias, vivências e memórias de uma forma bem regionalista de ser, nem que caia um toró, loco véio. Crendiospai!”.
O GTPG é composto atualmente por 15 atores. Ana Almeida foi a encarregada de assumir o papel de Leonilda, a protagonista e narradora da peça. Segundo a atriz, a ideia era que tudo que foi apresentado no palco representasse os pensamentos da personagem, e a missão dela era levá-los para o público de maneira lúdica e saudosa com as próprias memórias. “Minha personagem é muito amarga por causa do tempo, e esta é justamente uma das discussões da peça. Antes todos eram mais felizes, e conforme a cidade foi crescendo e o tempo passando, eles foram se separando, virando pessoas muito diferentes umas das outras, mesmo ainda existindo um pouco de carinho pelo que já viveram”, explica.
Ana ainda conta que desenvolver a personagem foi um desafio, já que não é ponta-grossense e precisou buscar referências locais com amigos. “Eu me baseei na mãe de um amigo, principalmente pelo sotaque que eu não tenho, e também na personalidade, além de trabalhar com outras referências de senhoras ranzinzas, mas com muita história para contar”, relata.
Entre os objetivos da peça estava a identificação com o espectador, seja ele morador da cidade ou visitante de fora. Para isso, o grupo se inspirou em cenários, costumes, vocabulários e símbolos que remetam o cotidiano dos ponta-grossenses. Além disso, o grupo também buscou construir um retrato da história da cidade, inserindo festividades e comemorações típicas no roteiro, como a tradicional Festa do Divino Espírito Santo. Em meio às cenas, a peça também possui momentos musicais com canções típicas da região, como “Bicho do Paraná” de João Lopes.
Paulo Henrique, diretor geral do espetáculo, conta que a peça foi originalmente pensada a partir da realidade da Covid-19. Porém, com o avanço da vacinação foi possível voltar a pisar no palco de uma maneira parecida ao período anterior à pandemia. “Quando a gente começou com esse espetáculo a ideia ainda era fazê-lo de máscara. Depois trabalhamos a ideia de uma produção audiovisual, pensando em poder usar mais as expressões faciais”. Segundo ele, as próprias cenas e o cenário também foram pensados para o ambiente pandêmico, com distanciamento entre os atores e blocos de interações com poucos personagens, evitando o contato físico. “Tudo foi adequado, mas hoje já nos sentimos muito à vontade para atuar sem medo”, revela o diretor.
De acordo com Ana, a peça carrega duas mensagens principais: a união entre as famílias e as vilas do município e os impactos do tempo nas relações estabelecidas pelos moradores e as vivências compartilhadas entre si. “A peça vai mostrando como se constroem as relações entre aqueles que já se conhecem há anos até os que estão chegando na cidade. Buscamos retratar isso na união familiar e das vilas da cidade, mostrando os trejeitos, as falas e os costumes dos ponta-grossenses, bem como retratar que, com o tempo, as coisas vão mudando, e essas pessoas também”, diz.
Para o diretor, “Todos Os Nós” é um retrato fiel da sociedade ponta-grossense. “É um espetáculo feito por gente da cidade falando sobre a gente. Falamos sobre nós de uma maneira muito exagerada no palco, afinal é teatro, mas na verdade tudo isso acontece na nossa vida. E o final da peça mostra que o grande problema da cidade de Ponta Grossa somos nós, nossos egos e nosso orgulho”.
Na visão de Ana, o espetáculo deixa como reflexão final para o público a importância de valorizar o lugar de onde viemos e as pessoas que nele conhecemos. “A gente tem que falar mais de onde viemos, sobre as pessoas desses lugares e as nossas origens, o que a gente ama, o que a gente aprendeu desde pequeno e as coisas que deste lugar levaremos para o resto da vida”.
Todos os nós
“De que nós estamos falando?
Do pronome pessoal? Ou do laço que ata duas pontas?
Ou seriam todos os “eus” atados por laços do cotidiano?
Por laços comuns como o espaço geográfico que dividem, os costumes parecidos, as mesmas dores e alegrias, repartidas no espírito comunitário?
Cada conquista, cada desafio, cada tropeço, cada vitória permeiam a vida destes personagens que dividem uma grande arena, entrelaçando seus destinos.
Todos os nós cabem em uma pequena vila, numa grande cidade, em uma praça.
Todos os nós mostram como os altos e baixos moldam e unem as pessoas, ora pela solidariedade, ora pela dor, ora pela alegria e até mesmo pela amargura que o tempo às vezes imprime em cada eu.
De que nós estamos falando? Taí o grande mistério do espetáculo”.