Por Lilian Magalhães
CODA, título original do filme, é uma sigla para “Filho de Pais Surdos”, na tradução livre. A adaptação hollywoodiana da produção francêsa A Família Bélier (2014) nos situa no pequeno núcleo familiar de Ruby (Emilia Jones), onde ambos seus pais e seu irmão são surdos, tornando a caçula do grupo intérprete dos seus membros. Aos 17 anos, a jovem encontra refúgio no futuro promissor como cantora e busca recursos para ingressar na faculdade de música. A proposta inicial estabelece o principal dilema da protagonista: como ir atrás de um sonho tão distante da realidade de seus progenitores?
Sian Heder, diretora do longa, nos leva aos principais locais da narrativa em uma sequência já conhecida em outros filmes coming-of-age. Conhecemos a escola de Ruby, onde a garota não se sente acolhida; o barco de pesca onde seu pai e irmão trabalham e ela os segue para auxiliar como intérprete; seu quarto estilizado como nos anos 1990, típico do estereótipo em que a protagonista não é “como as outras garotas”. Então o filme apresenta o local mais próximo ao coração da jovem: um lago atrás de sua casa, onde ela tem momentos de reflexão enquanto está só. E a solidão é bem explorada na narrativa visual do filme, com fotografia simples mas precisa em momentos de conversa do núcleo familiar. Em uma das sequências mais emblemáticas do longa, Jackie (Marlee Matlin), sua mãe, admite ter desejado que a filha tivesse nascido surda para que ela não sofresse sozinha, e Ruby segura as lágrimas durante a discussão.
Neste sentido, a quebra do clichê estilo “Sessão da Tarde” consegue reafirmar a ótima performance de Emilia Jones, mas são os seus pais, coadjuvantes da história, que entregam as melhores cenas. A narrativa de que a protagonista rejeitada na escola ganha destaque por ser, na realidade, o talento escondido, perde a graça rapidamente por ser tão óbvia. Mais simples ainda é o traço de personalidade tímido da personagem, que falha uma ou duas vezes antes de conseguir mostrar sua real aptidão. Esta timidez, porém, é trabalhada com uma nova perspectiva em um breve momento, quando Ruby admite ter sido insegura no seu processo de aprendizagem de fala pois “falava como uma pessoa surda”. E o interesse do longa está ali. Qual é o caminho para dar credibilidade à voz da filha caçula, quando ela está tão perto de se tornar uma mulher independente?
O constrangimento é pautado diversas vezes durante o longa, e como espectadora, a frustração gerada pela extrema dependência de seu pai Frank (Troy Kotsur) e seu irmão, Leo (Daniel Durant), pela menina são imensuráveis. Não cabe ao espectador julgar qual é a melhor escolha, quem está mais ou menos correto em necessitar ter seus desejos atendidos. Quando Jackie tenta integrar a comunidade ao trabalhar perto de outras mulheres além de sua filha, a dificuldade em se comunicar é devastadora. Analisando o sentido do filme como um todo, dispensaria algumas tentativas de comicidade pela delicadeza ao tratar do assunto principal, como na cena em que Frank toca com a ponta dos dedos no pescoço de Ruby para conseguir sentir as vibrações das cordas vocais enquanto ela canta a canção-tema do filme, “You’re All I Need to Get By”.
Existe um potencial na forma em que o roteiro explora a linguagem de sinais e que traz os momentos de ápice do longa, e honestamente, os mais notórios são quando essa técnica é aplicada. Dois deles saem em destaque, o primeiro sendo a explicação da protagonista sobre o que sente pela música através de um gesto de expansão com as mãos, finalizando o movimento com um balanço suave de seus dedos pelo ar. O segundo instante envolve a inserção da interpretação na linguagem de sinais na audição final da protagonista.
Mesmo que a execução de seu roteiro seja previsível para quem já conhecia a versão original, No Ritmo do Coração caminha ao lado de produções célebres onde jovens mulheres buscam independência, como A Hora de Voar, de 2017, e Fora de Série (no original, Booksmart), de 2019. Com o adicional da peculiaridade de imersão na realidade de uma filha tão codependente de sua família quanto à sua expectativa por um mundo novo que lhe é apresentado, a película consegue ter altos e baixos comuns ao trabalhar entre drama e alívio cômico numa experiência onde a representatividade de pessoas com deficiência auditiva ainda é um espaço a se expandir no protagonismo de narrativas de cinema.